Carne picada vai ser mais fiscalizada mas não proibida

Comissão de Segurança Alimentar aconselha consumidores a pedirem para picar a carne no momento da compra. Governo lança plano para dar formação aos talhos.

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A Spanghero pode produzir carne picada mas não pode armazenar carne congelada Toby Melville/REUTERS

O Governo vai criar um plano nacional para melhorar a formação dos comerciantes sobre o uso de sulfitos e outros produtos na carne picada. Depois da reunião da Comissão de Segurança Alimentar, a Secretaria de Estado da Alimentação sentou-se à mesa com a Associação Nacional de Municípios e a Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios e acordou “intensificar todo o plano de controlo oficial”.

De acordo com Nuno Vieira e Brito, secretário de Estado da Alimentação, este plano estará concluído na primeira quinzena de Fevereiro e deverá “dotar o retalho de formação e informação, através das boas práticas necessárias para esta actividade”. Os laboratórios do Estado também terão um reforço de equipamentos e deverão aumentar a actual capacidade de fazer análises regulares à carne que é vendida nos talhos nacionais.

Nuno Vieira e Brito diz que a intenção é que os médicos veterinários municipais façam inspecções ao comércio da sua área. Admite que até agora “não havia uma articulação de meios para este sector” em concreto, nem era dada formação adequada. A expectativa é dar mais formação e informação, evitando maus procedimentos. O que nos interessa é o cumprimento da lei”, disse ao PÚBLICO.

A par da formação, haverá mais fiscalização à carne picada que é vendida nos talhos, mas não está prevista a proibição de venda do produto. A Comissão de Segurança Alimentar foi convocada após um estudo da associação Deco ter revelado falhas na higiene e conservação de carne picada à venda em 26 estabelecimentos, que na maioria adicionavam ainda sulfitos ao produto para o tornar mais apelativo.

"A carne picada pode e deve ser consumida no momento em que ela é picada", afirmou o secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar, Nuno Vieira e Brito, no final do encontro, repetindo um conselho que tem sido partilhado tanto pela Deco como defendido pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). O secretário de Estado reforçou que não está em cima da mesa a "proibição da utilização de carne picada" pelo consumidor.

“Saímos do encontro com a convicção de que vão ser reforçados os controlos sobre os produtos de carne picada”, resumiu, por sua vez, ao PÚBLICO Nuno Lima Dias, técnico da Deco e um dos responsáveis pelo estudo que chumbou 26 talhos da Grande Lisboa e Setúbal e do Grande Porto por falta de qualidade de carne de vaca picada vendida.

Após a reunião, onde esteve  também representado o Ministério da Economia, através do seu secretário de Estado adjunto, a ASAE, institutos, confederações, federações, associações e distribuidores, num total de 12 representações, o técnico da Deco disse que a associação “reafirma todas as conclusões da sua investigação”, nomeadamente a ilegalidade de adicionar sulfitos à carne picada.

Este ponto tem sido o centro de uma polémica que se instalou entre a Deco e a ASAE, que na última terça-feira questionou a clareza e cientificidade da metodologia usada pela associação de defesa do consumidor para a realização do estudo, considerando ainda que a amostra reunida – carne de vaca picada de 26 talhos - foi “claramente insuficiente tendo em conta o universo em causa, condicionando as conclusões divulgadas”.

Na questão dos sulfitos, substâncias que evitam o desenvolvimento de microrganismos e ajudam a manter a cor original dos alimentos, a autoridade argumentou que se trata de “aditivos alimentares aprovados como conservantes que podem ser utilizados em variadíssimos géneros alimentícios”. A Deco insiste esta quinta-feira na defesa da proibição da venda de carne de vaca picada a granel e na ilegalidade da utilização de sulfitos neste produto, ao contrário do afirmado pela ASAE, que a associação acusa de “confundir os consumidores”.

Outros dos desacertos entre a Deco e a ASAE é a amostragem utilizada em estudos realizados por cada um dos organismos. A associação concluiu que 23 dos 26 talhos da sua investigação usavam sulfitos na carne de vaca picada, dez deles localizados na região da Grande Lisboa e Setúbal. A ASAE indicou que, em 2014, na região da Grande Lisboa recolheu 42 amostras de carne, “não tendo sido detectado qualquer resultado não conforme”.

“Nós temos muita pontaria, só pode ser isso. Podemos ter tido um número de amostras mais pequeno mas pode ter sido mais representativo. Quarenta e duas amostras ao longo de um ano, todas em conforme [com a lei], é ambíguo”, sustentou Nuno Lima Dias.

"É seguro comer carne picada"
O inspector-geral da ASAE, Pedro Portugal Gaspar, citado pela Lusa, considerou após a comissão que, com base nas análises da autoridade, "é seguro comer carne picada". "Não temos nenhum dado que aponte para alguma consideração menos recomendada deste consumo", rematou o responsável.

À semelhança do que tem vindo a ser sustentado pela ASAE, o secretário de Estado adjunto e da Economia, Leonardo Mathias, considerou que amostragem de estudos como o da Deco é pouco representativa da realidade nacional e alertou para o risco de alarmismos.

Leonardo Mathias ressalvou que "o universo das instituições que vendem carne é de 6393”. “O estudo da Deco visitou 26, ou seja, 0,04% do total dos estabelecimentos em Portugal", acrescentou, sublinhando que, em 2014, a ASAE inspeccionou 676 estabelecimentos que vendem carne, o que representa 11%.

O membro do Governo defendeu que estudos como o da associação deveriam ser alvo de análise e debate em sede da Comissão de Segurança Alimentar antes de serem revelados para que não seja "uma comunicação de forma alguma alarmista".

Apesar dos reparos, Leonardo Mathias realça que a "Deco é um importante parceiro na defesa do consumidor e tem feito um trabalho excelente, que é importante que se mantenha”. “Tem é que ser construtivo com o Governo e com a sociedade civil e que não seja de forma nenhuma alarmista para manter a sua credibilidade que é fundamental".

O grupo parlamentar do PS requereu entretanto, com carácter de urgência, a audição da ASAE. "Os resultados dos mais recentes testes que a Deco - Associação da Defesa do Consumidor fez à carne picada que é vendida em estabelecimentos de venda ao público, não podem deixar a população tranquila", referem os deputados num requerimento apresentado na Comissão de Agricultura e Mar e que foi aprovado por unanimidade.

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