GNR ameaça boicotar campanha de PSD-CDS com protestos

Associações sindicais protestam por ministra da Administração Interna não ter feito aprovar estatuto dos militares da Guarda.

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APG apela à “união e disponibilidade” dos associados e profissionais da Guarda Pedro Cunha

As acções de campanha eleitoral da coligação Portugal à Frente, do PSD e do CDS, deverão contar com uma companhia inesperada: militares da GNR descontentes com a não aprovação do estatuto daquela força policial militarizada. Os guardas prometem estar atentos aos locais onde os dois partidos que suportam o Governo realizarão acções de rua em Setembro, para os surpreenderem com cartazes e palavras de ordem.

O Conselho de Ministros aprovou esta quinta-feira o estatuto profissional da PSP, mas adiou para a próxima legislatura o da GNR. O presidente da Associação dos Profissionais da Guarda (APG), César Nogueira, disse que os protestos dos guardas irão marcar o dia-a-dia das caravanas políticas dos partidos da coligação “responsáveis pelo Governo que enganou os militares da Guarda”.

Os guardas “não farão arruaça, mas aparecerão muito provavelmente com cartazes para demonstrar o descontentamento”, antecipa o dirigente associativo. Afinal, observa, “os militares da GNR também são cidadãos e também votam”. A APG, cuja direcção se reúne esta sexta-feira para tomar uma decisão final quanto à organização destas manifestações, deverá ainda promover protestos nacionais “em frente do Parlamento e em frente da residência oficial do primeiro-ministro”.

O adiamento das mudanças na GNR provocou um descontentamento geral nos 22 mil elementos que constituem aquela polícia em todo o país. “Foram horas e horas de negociações com a ministra da Administração Interna, muitas vezes sem comer”, lamenta o dirigente sindical José Alho, da Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda. “Quando lhe perguntámos se o estatuto ia mesmo ser aprovado, respondeu-nos que só tinha uma palavra. Fomos enganados, e a humilhação é ainda maior por ter sido aprovado o estatuto da PSP. A GNR sempre foi o patinho feio das forças de segurança. Daqui em diante vamos atacar em todas as frentes.”

Entre os pontos mais importantes deste estatuto, o presidente da APG destaca a aprovação de um horário de serviço. “A GNR é a única força policial europeia que não tem um horário, estando os seus militares sempre em serviço se os comandantes quiserem”, salienta. Do diploma que não chegou a ver a luz do dia faz também parte a clarificação de questões como a passagem à reserva e à reforma.

“Este Governo sucumbiu às pressões externas que se fizeram sentir. Sucumbiu ao lobby militar que os generais do Exército fizeram através do Ministério da Defesa e da casa militar da Presidência da República contra a aprovação do estatuto”, acusa ainda César Nogueira.

Em causa estará o facto de o projecto de estatuto prever que os oficiais das Forças Armadas de patente inferior a general deixassem a GNR até 2017.

“Ficaria garantida a autonomia da GNR face ao Exército. A GNR depende do Ministério da Administração Interna, mas através dos 11 generais do Exército que comandam as estruturas de topo da GNR, depende também do Ministério da Defesa. São estrategas que gerem a GNR não como uma polícia, mas como um exército que tem 22 mil homens e que na prática só tem oito mil operacionais para garantir a segurança das pessoas. A maioria está nos serviços administrativos e muitos até exercem função de sapateiros”, critica o mesmo dirigente. A revisão do estatuto dos militares da GNR era uma promessa deste Governo, já do tempo em que Miguel Macedo era ministro, mas segundo a ministra Anabela Rodrigues não houve condições para aprovar o diploma.

“Há matérias no novo estatuto da GNR que também interessam às Forças Armadas”, justificou, escusando-se a comentar alegadas pressões dos generais das Forças Armadas no processo de negociação destes novos estatutos. Num tom hesitante, e depois de os jornalistas terem insistido no assunto, a governante reconheceu que surgiram “dificuldades que não foi possível ultrapassar durante o processo legislativo”, sem nunca explicar quais.

O ministro da Presidência, Marques Guedes, confirmou que falta articular o novo estatuto da GNR com o aprovado no início do ano para os militares das Forças Armadas. E insistiu numa ideia: ao contrário da PSP, que é uma força civil, a GNR está “sujeita à condição militar”.

Aos militares da GNR resta como consolação um diploma aprovado ontem que lhes dá os mesmos direitos na passagem à reserva e à reforma que os colegas das Forças Armadas, acabando assim com uma situação que o próprio Governo apelida de injusta. Mas isso não os apaziguou: “Deram-nos um rebuçado”, disse César Nogueira.

Nas Forças Armadas, a não alteração do Estatuto da GNR foi bem acolhida, depois de as chefias terem comunicado a sua apreensão face às mudanças reclamadas pela Associação de Profissionais da Guarda. Esta comunicação foi feita através de múltiplos canais, incluindo diligências da casa militar da Presidência da República e a própria definição da solução do Conselho de Ministros.

O Ministério da Defesa foi sensível às posições das chefias militares, cujos argumentos repousam no carácter de força militarizada da GNR. Qualquer alteração, dizem os responsáveis do Exército, criaria um estatuto de excepção dos oficiais e sargentos da GNR face aos seus colegas das Forças Armadas — quando ambos são formados nas academias militares, nos cursos do Instituto Superior de Estudos Militares.

Em termos de defesa nacional, o conceito estratégico reserva à Guarda Nacional Republicana a função de uma segunda linha, a seguir às Forças Armadas. Para tanto, este corpo está dotado de meios pesados, tem uma representação em todo o território nacional — o que não ocorre com a PSP — e está dotado de uma cadeia hierárquica militar que lhe propicia uma resposta adequada em situação de crise. São estes os argumentos a favor da manutenção do carácter de força militar da GNR, que também ocorre em corpos idênticos no estrangeiro: a Guardia Civil em Espanha, os Carabinieri italianos e a Gendarmerie em França.

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