Ganharam o Gap Year, vão fazer voluntariado e repensar o futuro

Tamára Brandão e João Amorim, casal de namorados de São João da Madeira, vão passar sete meses no continente americano. Partem em Novembro com 6500 euros, mochilas às costas, máquina fotográfica, diário de bordo, e projectos de voluntariado numa quinta ecológica e numa associação que apoia crianças

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Tamára Brandão e João Amorim vão passar por 15 países em sete meses Diogo Baptista

Primeiro as apresentações. João Amorim, 24 anos, tem o curso e mestrado em Bioquímica pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Não gosta de estar parado, faz o que for preciso. Trabalhou em fábricas, estagiou num laboratório de biologia molecular e nesta segunda-feira retorna à vidraria do padrinho para trabalhar na parte administrativa. Toca guitarra, banjo e bandolim, teve uma banda de garagem e uma banda de covers. Não sabe cantar e, por isso, não gosta de tocar sozinho. Tem várias pulseiras no pulso de muitos festivais de música de Verão. Adora viajar, fazer campismo selvagem, passar dias no Gerês. Anda a ler a biografia de Che Guevara. O sonho de passar um ano a viajar está prestes a realizar-se.

Tamára Brandão, 22 anos, estudou Reabilitação Psicomotora na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, e está a terminar a tese de mestrado em Intervenção Precoce na Universidade do Minho, em Braga. O seu trabalho incide no desenvolvimento motor de crianças com autismo. Durante o ano da tese trabalhou numa loja de acessórios de moda. Fez seis meses de Erasmus em João Pessoa, no Brasil. Esteve em Londres num curso intensivo de Inglês. Conhece algumas cidades europeias e quer percorrer a Ásia com uma amiga de infância. Estagiou em vários sítios, numa associação de paralisia cerebral, em escolas, num centro terapêutico de equitação. Passa os verões a trabalhar com crianças num campo de férias. Pratica yoga, gosta de ler, de ir à praia, de estar com os amigos. Quer trabalhar com crianças em risco.

João e Tamára são namorados, vivem em São João da Madeira, e são o casal vencedor do concurso Gap Year promovido pela Associação Gap Year Portugal, patrocinado pela Fundação Lapa do Lobo e pela TAP. 

Não há uma tradução fiel para Gap Year. Significa um ano de intervalo, uma pausa na vida de todos os dias para uma experiência, se possível noutro país. O concurso da Associação Gap Year, com o apoio da Fundação Lapa do Lobo e da TAP, visa proporcionar esse intervalo a jovens que apresentem a proposta mais interessante e que cumpra os critérios estabelecidos.

Sair da zona de conforto, repensar o futuro, adquirir competências importantes para o sucesso académico, pessoal e profissional, são alguns dos objectivos. Há vários modelos de Gap Year de acordo com ambições, desejos e orçamento. E há várias possibilidades: participar em projectos de voluntariado, reflectir sobre o que fazer no futuro, ter a primeira experiência profissional no país ou no estrangeiro, estagiar, fazer turismo.

300 candidatos
O casal demorou pouco mais de um mês a colocar no papel o seu projecto de viajar pelo continente americano, fazer voluntariado, e seguir o sol. Um plano detalhado com quase tudo pormenorizado, custos incluídos. O próximo Natal será passado na Bolívia.

"Follow The Sun" surgiu na cabeça de João, Tamára concordou e a quatro mãos programaram o que vão fazer durante sete meses. “Era importante dar uma cara à viagem”, revela Tamára. Daí o conceito de seguir o sol porque, na verdade, serão sete meses de Verão pela América. Gravaram um vídeo de um minuto para mostrarem os argumentos de serem a dupla ideal. No curto filme, admitiram que as decisões tomadas há cinco anos já não lhes pareciam as mais acertadas. Revelaram que precisam de inspiração para repensar o futuro e de imaginação para diversificar opções. Acreditam nas experiências que apertam o coração e põem pessoas à prova e que os maiores riscos são os que trazem os frutos mais saborosos. E deixaram um P.S. escrito: “Nós damos beijinhos… e ficamos emocionados com casais velhinhos de mãos dadas… Por isso somos namorados (e porque o João pediu!!!)”.

Em mais de 300 candidatos, e depois nove finalistas, a dupla foi escolhida. A notícia chegou em Agosto. Ganharam 6.500 euros que têm de partilhar e a viagem de ida e de volta.

Estão ansiosos por saírem da zona de conforto e partirem à aventura. São 15 países em sete meses que querem percorrer em autocarros. Vão dormir em hostels, em parques de campismo ou em casas de pessoas locais através da rede Couch Surfing. Passar três semanas em regime de voluntariado numa quinta ecológica no Peru está nos planos. Nesse local, terão aulas de yoga, aprenderão a confeccionar comida vegetariana — Tamára praticamente não come carne e adora comer —, surf e espanhol. Duas semanas numa associação que apoia crianças numa vila do Peru também deverão fazer parte da viagem. Ali podem ensinar Inglês aos mais pequenos.

Nas pesquisas que se sucedem, Tamára ficou fascinada por uma ilha num local paradisíaco do Panamá. João informou-se e vão propor um Work Exchange, ou seja, fazerem o que for necessário em troca de alojamento e alimentação. Setembro e Outubro são meses de preparativos. Está decidido que são duas mochilas com roupa leve, máquina fotográfica, máquina de filmar, diário de bordo. As pesquisas não param. 

Partem em Novembro em direcção a Porto Alegre, no Brasil, com o objectivo de começarem a aventura em Buenos Aires. Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, Guatemala, México, Estados Unidos são os países seleccionados. Em Junho devem regressar.

Decisões cedo demais
Querem aprender mais do que está escrito nos livros que leram na escola, na universidade. Tamára faz contas ao orçamento. João garante que a ideia é “fazer o máximo com o mínimo”. Expectativas? “Que consigamos chegar ao fim da viagem e sentirmos que conseguimos aproveitar tudo o que ela nos deu, que crescemos e que aprendemos com outras culturas”, diz João. Tamára completa. “Além de termos realizado um sonho, superarmos um desafio gigante.”

Andam felizes com o conforto do apoio das famílias e amigos. “Vamos os dois com toda a gente atrás de nós”, diz João.

O que querem fazer depois do regresso? João não tem resposta. “Não sei mesmo responder.” Uma experiência de trabalho noutro país não está fora de parte. Se isso acontecer, o bilhete de volta estará garantido. “Tenho consciência de que o país nos dá cada vez menos oportunidades de vivermos cá, o que me deixa um bocadinho preocupado. Mas com esforço consegue-se encontrar alguma coisa cá.” Tamára acredita no país e quer trabalhar na sua área. “Se não conseguir, terei de aceitar a realidade e ir para fora.” Não é isso que quer que aconteça. 

Estudar, estudar, decidir, escolher, estudar, acabar os estudos, tentar trabalhar. Tamára fala nessas decisões que, na sua opinião, têm de ser tomadas cedo demais. “Os primeiros anos da faculdade são muito teóricos, não dá para percebermos se estamos ou não a gostar”, comenta. No Brasil, no Erasmus, a maioria das suas amigas tinha parado um ano antes de entrarem na universidade para viajar, fazer voluntariado, conhecer outras realidades. “Aqui é tudo muito cedo para decidir as coisas.” O Gap Year surgiu na altura certa.

Tamára acredita que voltará com ideias mais consolidadas e mais segura do que quer e não quer. O namorado concorda e acrescenta. “Antes da faculdade é tudo muito pré-definido. O que está mal é não promoverem a diversidade das opções. É tudo urgente e depois acaba-se o curso e não há nada para fazer.”

João quer respirar outros ares. “Todos os dias, vamos viver em sítios diferentes, falar com pessoas desses locais, conhecer outras culturas. Cada dia será um desafio.” João não acredita que é uma geração, a sua por exemplo, que poderá mudar o mundo. “Não acredito em gerações, mas que toda a gente pode fazer a diferença.” Tamára chateia-se com a indiferença da sociedade, com o deixa andar, o deixa estar, o não sair do sítio.  

O trabalho não os assusta. João não se importa de arregaçar as mangas. Trabalhou numa fábrica de serralharia e alumínios em São João da Madeira. Fazia de tudo um pouco. Trabalhou numa vidraria na área de escritório, também em São João da Madeira. Organizava ficheiros, tratava do que fosse necessário e vai regressar esta segunda-feira para juntar algum dinheiro antes de partir. E quando lhe diziam que o que fazia nada tinha a ver com a sua área, não se importava. “Adorei o que fiz.”

Haverá coincidências? João andava a juntar dinheiro para mais tarde viajar. Quando viu, no Facebook, o concurso Gap Year, falou com a namorada e juntos agarraram a oportunidade. “Já sentia esta necessidade de viajar durante um ano. Sentia que essa viagem poderia trazer-me respostas que não chegariam se estivesse fechado em casa ou a trabalhar num laboratório.”

Ele é brincalhão. Ela é mais séria. Ele diz o que pensa. Ela é mais cautelosa. Andaram na mesma escola em São João da Madeira, conheceram-se mais tarde. A irmã mais nova de João, de oito anos, não parava de falar de Tamára, a monitora do campo de férias. Conheceram-se numa festa. Namoram há um ano e estão prestes a iniciar aquela que poderá ser a maior aventura das suas vidas. Têm página no Facebook (Follow The Sun — Gap Year), que prometem actualizar durante a viagem com fotos, vídeos e textos. O diário de bordo, que ainda não está comprado, será escrito pela Tamára. “Vale a pena sair e ver outras coisas. Vamos aproveitar tudo o que nos aparecer no caminho.” Palavra de “gappers”.    

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