Futuro da Internet discutido no Brasil

Sem regulação e regulamentação, continuaremos a viver naquilo que alguém designou como “faroeste digital”.

O Futuro da Governança da Internet é o tema do debate a realizar em São Paulo, Brasil, hoje e amanhã. Esse debate decorrerá durante uma reunião “multi-sectorial global”. A reunião será presidida por Virgílio Fernandes Almeida, coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

Grande país que não teve dificuldade em compreender a urgência deste debate, também por razões políticas e de Estado, o Brasil avançou com a iniciativa, que deve contar com a participação de reconhecidos especialistas de todo o mundo, esperando-se que Portugal também se faça representar condignamente, sem ceder à tentação, tão portuguesa, de entrar mudo e sair calado. É urgente que sejam criados mecanismos de regulação da Internet, de molde a evitar-se a combinação do interesse dos grandes operadores de dimensão global com o narcisismo de quem, ligado à Net, vive com a ilusão de poder controlar o mundo e influenciar as grandes decisões, como se vivêssemos numa praça central de qualquer “Primavera árabe”, antes de as forças do fundamentalismo islâmico a terem aproveitado para conquistar o poder.

Sem essa regulação e regulamentação, continuaremos a viver naquilo que alguém designou como “faroeste digital” e que tanto prejuízo causa aos criadores cujos direitos são sistematicamente usurpados.

Em visita recente a Portugal, por razões académicas, mas também para ser homenageado pela Sociedade Portuguesa de Autores com a Medalha de Honra da instituição, com a qual assinou um acordo de cooperação, o embaixador Geraldo Holanda Cavalcanti, presidente da prestigiada Academia Brasileira de Letras, declarou durante a cerimónia: “Convivemos, autores de ambos os países, com desafios idênticos no que respeita hoje à defesa dos direitos do autor na turbulência das iniciativas que se destinam a regulamentar o uso da Internet. Desconheço a extensão do problema em Portugal, onde posso imaginar serem ainda mais complexas as situações criadas devido à inserção portuguesa na União Europeia. No Brasil, o tema é debatido nas mais altas instâncias há pelo menos três anos, quando foi apresentado ao Governo um anteprojecto de lei que estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da rede mundial de computadores do país, a chamada determinação do Marco Civil da Internet”.

Poeta, tradutor e ensaísta com uma longa e brilhante carreira diplomática que inclui postos como a representação junto da União Europeia, junto da UNESCO e a presidência da União Latina, Geraldo Cavalcanti adiantou, após referir a consulta feita à Academia a que preside acerca daquele anteprojecto de lei: “Sem diminuir a importância do debate sobre a matéria, no contexto do interesse social, tem sido constante na posição da Academia alertar para que tal marco não pode deixar de atentar, igualmente, de forma imprescindível e prioritária, para a questão da protecção do direito autoral da obra literária. Ignorar a necessidade de proteger a remuneração do autor da obra literária, em nome de um direito de acesso de interesse social indiferenciado, é desincentivá-la ao ponto de comprometê-la; vítima já da pirataria incontrolada, talvez incontrolável, que vulnerabiliza a remuneração do seu trabalho, o escritor pode mesmo ter de desistir de sua actividade que, em muitos casos, é o seu próprio meio de subsistência”.

E Geraldo Holanda Cavalcanti, autor de A Herança de Apolo, notável obra de reflexão e análise sobre os poetas e a poesia, salientou ainda que “a criação literária é, fundamentalmente, uma produção livre do autor. E o trabalho do autor, como qualquer outro, tem de ter a garantia da sua remuneração. Desentranhar esse direito elementar do escritor é, além de uma contradição com o próprio sistema constitucional que protege a remuneração do trabalhador, uma abordagem autodestrutiva, pois termina por vulnerabilizar a própria continuidade da produção literária”.

Todos estes aspectos, elementares e oportunos, deverão estar presentes em São Paulo, na reunião sobre O Futuro da Governança da Internet. Se tal não acontecer, ficará visivelmente incompleto e os autores mais desprotegidos, o que não é nada positivo para a cultura e, naturalmente, para o seu futuro enquanto criadores.

Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores<_o3a_p>

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