Francisca Van Dunem promete revolução tecnológica na justiça

Ministra anuncia 120 medidas para simplificar o funcionamento dos tribunais e outros serviços.

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Enric Vives-Rubio

São 120 medidas anunciadas esta terça-feira pela ministra da Justiça, Francisca van Dunem, para levar a cabo uma revolução tecnológica na justiça portuguesa, em especial nos tribunais.

Da realização de sondagens online a advogados e cidadãos utentes do sistema até ao ensino de programação informática aos reclusos, são muitos os projectos deste plano de acção, intitulado Justiça Mais Próxima. O denominador comum de grande parte deles é o recurso às novas tecnologias.

O Meu Tribunal, por exemplo, é uma plataforma que vai permitir reportar pequenos problemas quer informáticos quer dos edifícios onde estão instalados os tribunais, “para uma identificação ágil e um acompanhamento activo deste tipo de incidências”. O aperfeiçoamento dos sistemas de informação terá impacto ao nível quer dos tribunais quer dos registos, promete o Ministério da Justiça. 

Nem todas as medidas são para avançar de imediato. Algumas serão primeiro testadas em programas-piloto antes de entrarem em vigor. O Tribunal de Sintra vai experimentar soluções de atendimento “mais amigáveis, abrangentes e céleres, com recurso a instrumentos tecnológicos”, alguns dos quais já  nas Lojas do Cidadão. Passará por exemplo a ter wi-fi, para que as longas horas de espera pareçam mais curtas aos utentes. Para identificar as entropias ao nível do funcionamento, uma equipa de técnicos do Ministério da Justiça acompanhará o dia-a-dia deste tribunal. Se as soluções encontradas para os problemas de um tribunal considerado difícil, pelas muitas valências que congrega e pela área territorial que abrange, forem consideradas satisfatórias poderão ser replicadas noutros pontos do país ao fim de seis meses. Caso contrário não vão por diante. "Vamos estudar os métodos de trabalho, a forma de atendimento ao público", explicou Francisca Van Dunem. Até a linguagem por vezes pouco inteligível usada pelos tribunais para notificar os cidadãos vai ser analisada. 

No concelho de Penela, no distrito de Coimbra, irá ser testado outro tipo de abordagem, mais vocacionada, segundo o Ministério da Justiça, para as zonas rurais. Trata-se de pôr a funcionar no edifício do tribunal encerrado, como outros, no Verão de 2014 um julgado de paz - que é uma forma alternativa de resolução de litígios - , juntamente com outros serviços como o registo civil e o registo criminal.

"A ideia é quebrar a percepção muitas vezes errónea de que a justiça tarda e de que a administração vive fechada sobre si própria", declarou a governante. "Mas não vamos partir para a concretização radical de nenhum modelo que não tenhamos experimentado antes". 

A abertura de um serviço de atendimento intitulado Espaço Óbito, destinado a prestar esclarecimentos sobre os procedimentos que é necessário levar a cabo após a morte de um familiar, figura também entre as 120 medidas do plano de acção, juntamente com a criação de uma biblioteca online da justiça, da qual constará "todo o acervo documental e legislativo" do sector. 

As medidas de formação dos reclusos nas novas tecnologias é um projecto que conta já com parcerias com dois gigantes da área: a Microsoft e a Cisco. Funcionará não só ao nível da programação como da gestão de redes. Ainda nas cadeias a ministra da Justiça quer implementar o sistema de videoconferência, que poderá servir tanto para os reclusos comunicarem com os seus familiares como para acederem a consultas médicas.

"Este conjunto de medidas será integralmente suportado pelo Fundo de Modernização para a Justiça e com recurso a fundos europeus", diz a tutela, assegurando que o Orçamento de Estado não irá ser onerado. Para 2016, está previsto um investimento nacional de 2,8 milhões de euros provenientes deste fundo, que pagará a comparticipação nacional das candidaturas aos programas europeus. "Vamos poder também usufruir de outro tipo de financiamentos a partir de projectos internacionais de inovação social e ainda através de parcerias com empresas no contexto de responsabilidade social", refere ainda o Ministério da Justiça. 

Também presente da cerimónia de apresentação do Justiça Mais Próxima, a presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Maria José Costeira, mostrou algumas dúvidas sobre a operacionalização deste plano de acção. "Gostava de ter ficado com uma ideia mais concreta. Foi tudo um tanto vago", observou a magistrada, que quer saber de que forma vão ser postas no terreno algumas das medidas anunciadas. "Fala-se de partilha de dados entre serviços. É positivo, mas trata-se de um assunto delicado, especialmente se empresas privadas passarem a ter acesso a informação sensível", exemplifica. 

A aposta nas novas tecnologias suscita à magistrada um comentário: "Gostava que tivesse sido anunciado também um reforço de outros equipamentos. Há muitos tribunais que não têm impressoras nem fotocopiadoras em número suficiente".

Também o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, acha este programa demasiado vago - até porque as 120 medidas nunca surgem em lado nenhum elencadas uma a uma. "Estava à espera de um documento menos genérico, menos Simplex", ironiza. "Em que consiste o anunciado aperfeiçoamento dos sistemas de informação, por exemplo?", interroga. "Os princípios gerais do plano [eficiência, proximidade, inovação, humanização] são positivos, mas não sabemos como vão ser concretizados", observa o dirigente sindical.

Seja como for, este não é um plano acabado. O Ministério da Justiça quer angariar mais ideias, apelando por isso à participação cívica através do site Justiça Mais Próxima. Também anunciou debates sobre o tema. 

 O vídeo que o Ministério da Justiça colocou esta terça-feira no Youtube a propósito da inciativa prova, porém, que a simplificação pode ser difícil de entender. Os autores do vídeo confundem as mesas dos tribunais com os serviços prestados por estes, e prometem "aliviar as secretárias dos tribunais do papel" ali existente quando se querem referir à desmaterialização dos procedimentos judiciais nas secretarias dos tribunais.

Parte do Laboratório de Polícia muda-se mesmo
Ao contrário do que tinha anunciado a ministra da Justiça no Parlamento na passada sexta-feira, durante o debate do orçamento na especialidade, parte do Laboratório de Polícia Científica vai mesmo mudar para a nova sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, durante este mês ou no próximo. Francisca Van Dunem tinha dito que não havia dinheiro no orçamento de 2016 para transferir o laboratório, que continua a funcionar nas antigas instalações, ao lado da nova sede inaugurada há dois anos. “Vamos transferir as valências que não precisam de instalações especiais para funcionar. É por exemplo o caso de tudo o que tem a ver com perícias documentais e com moeda falsa”, explicou o director da Polícia Judiciária, Almeida Rodrigues, que também esteve presente na cerimónia das 120 medidas para a justiça. “Ficarão apenas no antigo edifício as valências que no novo edifício carecem de instalações adequadas, como as relacionadas com o ADN – que, quando é amplificado, não pode correr o risco de contaminação”, explicou o mesmo responsável, acrescentando que "a parte mais cara de toda a nova sede é o laboratório".

"Neste momento está em curso um projecto para que se possam ultimar algumas obras", acrescentou Almeida Rodrigues, para quem o adiamento da mudança não radica na falta de verbas, "mas na evolução da tecnologia" necessária ao funcionamento do laboratório.

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