Fogos florestais destruíram nove mil hectares nos últimos dez dias

Ao fim do dia continuavam activos dois fogos que começaram no sábado e um outro em Mangualde mantinha a linha ferroviária de Beira Alta cortada desde as 12h30.

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Desde o início deste mês, os incêndios florestais já destruíram cerca de nove mil hectares segundo os dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla EFFIS), que, através de imagens de satélite, contabiliza diariamente a área ardida. Ontem, voltou a ser um dia complicado para os mais de 6200 operacionais que combateram as 275 novas ocorrências contabilizadas pela Autoridade Nacional de Protecção Civil até às 21h.

Mas não eram só essas que preocupavam. Ao final do dia continuavam activos no distrito de Viana do Castelo dois fogos que deflagraram sábado, um em Vila Nova de Cerveira e outro em Monção. O fogo não parecia querer dar tréguas, mas a meteorologia prometia ajudar, com aguaceiros fracos previstos já para amanhã no Minho.

O fogo na Serra da D’ Arga, o maior do ano até ao momento, passou do concelho de Cerveira para o de Caminha, tendo ameaçado uma aldeia (ver reportagem). “Já temos mais de 50 horas deste incêndio. Não é um trabalho fácil. Neste momento temos uma frente activa que nos preocupa”, resumia ao fim do dia o comandante operacional do Agrupamento Sul, Elísio Oliveira, que veio de Lisboa para dirigir o combate a este fogo. “A velocidade de propagação é enorme. O incêndio progride pelas linhas de água e, por vezes, ocorrem condições extremas que, por razões de segurança, nos impedem de colocar bombeiros no terreno”, explica.

Até ao início da tarde de ontem, o EFFIS contabilizava 2226 hectares ardidos neste fogo, parte dos quais numa zona de pinhal adulto. Não havia feridos a registar. “O único incidente do dia foi um acidente de viação com um veículo da Força Especial de Bombeiros, que resultou apenas em danos materiais”, adiantava Elísio Oliveira.

Em Mangualde, o dia foi de tensão com o fogo a ameaçar 150 habitações, o que levou o presidente da câmara a activar o Plano de Emergência Municipal. A linha ferroviária da Beira Alta foi cortada às 12h30 e às oito da noite a circulação ainda não tinha sido retomada. Ao fim da tarde, o comandante distrital de Viseu, Lúcio Campos, esperava que fosse possível dominar o incêndio até ao cair da noite. Mas às 21h, o incêndio ainda mantinha duas frentes activas. “O incêndio começou por volta do meio-dia com três ou quatro focos devido à força do vento. Chegou a ter cinco frentes activas ao início da tarde, mas agora só uma delas nos preocupa”, avaliava Lúcio Campos.

O comandante adiantava que apesar da tensão o fogo não destruiu nenhuma habitação, tendo queimado apenas alguns quintais. “Tivemos algumas intoxicações devido ao fumo, mas as pessoas, incluindo dois bombeiros, foram assistidos pelo INEM no local”, desvalorizava Lúcio Campos.  

Às 21h, a página da ANPC contabilizava 25 incêndios activos, destacando sete como “significativos”. Três que deflagraram durante a tarde de ontem (um em Arouca, distrito de Aveiro; um em Penafiel, distrito do Porto e um em Gouveia, distrito da Guarda) e um que começou ao início da manhã em Póvoa do Lanhoso, Braga. A estes somavam-se o da Serra D’ Arga, o de Monção e o de Mangualde.

A ministra da Administração Interna garantiu nesta segunda-feira que Portugal conta com uma “resposta adequada” para enfrentar os incêndios florestais. Anabela Rodrigues salientou que mesmo perante “condições meteorológicas muito severas e favoráveis a incêndios florestais” o “crescimento da área ardida não tem acompanhado proporcionalmente o aumento do número de ignições”, o que para a ministra é um sinal de que as forças no terreno têm “respondido positivamente”.

Anabela Rodrigues falava aos jornalistas no final de uma reunião que presidiu na ANPC e que teve como objectivo fazer um balanço da evolução dos incêndios. “Portugal está a enfrentar neste momento condições meteorológicas muito severas e favoráveis a incêndios florestais como não acontecia há cerca de uma década e meia”, começou por dizer a ministra, que depois reforçou que “quase 80% do território continental está em seca meteorológica severa ou extrema”. “A severidade meteorológica de 2015 é mais acentuada do que nos anos com maior área ardida”, acrescentou.

A ministra insistiu que “o número de ignições é muito elevado, o que traduz a grande severidade meteorológica”. Mesmo assim, salientou que “a área ardida é de 20% abaixo da média dos últimos dez anos”. De acordo com os dados da titular da pasta da Administração Interna, desde o início do mês houve 43 incêndios com mais de 100 hectares de área ardida. A média de incêndios em Agosto é de 173 ocorrências por dia, quando em Julho foram 131 e em Junho 82.

Anabela Rodrigues destacou, depois, os últimos três dias, para dizer que os dias 7, 8 e 9 de Agosto “foram desde Janeiro de 2015 os três dias com maior número de ocorrências”: na sexta-feira foram registadas 222, no sábado 295, e, no domingo, um recorde de 382. Até este fim-de-semana, o dia com mais ocorrências tinha sido a 4 de Abril, que contabilizou 243 ignições. Em Julho o máximo de ocorrências diárias ficou-se pelas 189, em Junho pelas 145 e em Maio pelas 119.  

O engenheiro florestal Paulo Fernandes, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, explica o aumento súbito do número de ignições com as condições extremas para a propagação do fogo, decorrentes da baixa humidade relativa do ar e do vento que se têm vindo a sentir. “Uma parte destas ignições são reacendimentos que não tiveram o rescaldo completo”, constata, numa critica à forma como se realizam esta fase do combate.

O universitário alerta ainda para o facto dos governante e alguns comandantes da ANPC estarem a interpretar mal o significado do índice de severidade meteorológica. “O índice está muito alto simplesmente devido à falta de chuva, mas tem havido muito poucos dias com condições extremas para a propagação do fogo, como ocorreram este fim-de-semana em algumas regiões”, nota Paulo Fernandes. O engenheiro florestal, especializado na investigação dos incêndios, realça que a secura é apenas um dos ingredientes necessários para a propagação dos fogos e, sozinho, não origina grandes incêndios. “Não estamos nem de longe nem de perto com as condições que se verificaram em 2003”, insiste o docente, numa referência ao pior ano de sempre, quando arderam 425 mil hectares de espaços florestais.   

Mesmo com os nove mil hectares queimados em Agosto, a área ardida deve estar baixo da média dos últimos dez anos. Até 31 de Julho, os dados do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas registavam 28.781 hectares ardidos, um valor ligeiramente inferior à média 2005-2014. Mas se analisarmos a média 2004-2013 até 15 de Agosto o número sobe acima dos 66 mil hectares, um valor bem acima da área ardida até este momento.

 “A segurança dos envolvidos no combate aos incêndios é uma prioridade com a qual o Governo tem um compromisso inabalável”, disse a ministra. Anabela Rodrigues apelou, contudo, a que a população não tenha comportamentos de risco que possam causar mais incêndios.

Questionada pelos jornalistas sobre a possibilidade de se vir a reforçar o actual número de meios, Anabela Rodrigues insistiu que a resposta tem sido suficiente, mas admitiu que vão sempre adequar as forças ao que se passa no terreno. A este propósito, o Comandante Operacional Nacional na Protecção Civil completou que nesta semana esperam um “desagravamento das condições meteorológicas” que permitirá que os grupos de reforço regressem às suas bases.

Os dados avançados pelo comandante indicam que, no total, já arderam mais de 31 mil hectares, mas ainda falta validar a área total ardida no fim-de-semana. “Ainda assim, está abaixo da média dos últimos dez anos. Para uma severidade que é a pior dos últimos 16 anos, não temos os piores resultados dos últimos 16 anos”, disse.

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