Ficou mais difícil denunciar atrasos da justiça ao Tribunal dos Direitos Humanos

“Esta decisão é uma desgraça para os cidadãos portugueses”, lamenta o advogado que mais processos tem em Estrasburgo contra o Estado português.

Foto
Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Reuters/Vincent Kessler

Tornou-se mais difícil denunciar atrasos na justiça ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Um acórdão dos juízes de Estrasburgo conhecido esta quinta-feira determina que quem quiser queixar-se da morosidade dos tribunais do seu país tem agora que recorrer primeiro à justiça nacional para apresentar a sua queixa, antes de apelar para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Segundo o advogado português que mais acções tem neste tribunal, Jorge Alves, esta decisão dá carta branca ao Estado português para se atrasar tanto quanto quiser, pagando pela demora aos cidadãos que está a lesar muito menos do que teria de fazer se fosse sentenciado em Estrasburgo.  As indemnizações em que o Estado português foi condenado em 2013 pelo Tribunal dos Direitos do Homem, por causa dos atrasos na justiça, somaram mais de 2,5 milhões.

De agora em diante, explica Jorge Alves, não resta a quem estiver há vários anos à espera de uma decisão judicial senão passar primeiro por um tribunal administrativo português. É aqui que terá de apresentar queixa por morosidade do tribunal onde corre a primeira acção, antes de poder recorrer para Estrasburgo. Acontece que os tribunais administrativos são dos que mais pendências têm em Portugal. “O seu tempo mínimo de decisão é de sete a oito anos”, lamenta o advogado. “E o habitual é serem dados 400 euros de indemnização ao queixoso por cada ano de atraso da justiça. Quatro anos dão direito a 1600 euros. Ora por este montante nenhum advogado vai desencadear uma acção. Entre custas judiciais e honorários do advogado, o cliente corre o risco de ainda perder dinheiro ”, observa.

É certo que o acórdão dos juízes do tribunal europeu também refere que o tribunal administrativo pode determinar uma compensação pelo seu próprio atraso na resolução de determinado caso relacionado com a demora excessiva de outro tribunal. Mas Jorge Alves diz não ter memória de alguma vez isso ter sucedido. “Os juízes de Estrasburgo ignoram a forma como funcionam os tribunais nacionais”, volta a criticar. “Esta decisão é uma desgraça para os cidadãos portugueses”.

O motivo desta nova orientação da jurisprudência de Estrasburgo encontra-se num acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de há um ano atrás, aponta a advogada Rita Matias, que patrocinou a queixa que deu origem à decisão europeia (ver mais abaixo). Há um ano os juízes de Lisboa reconheceram que o prolongamento de um processo judicial por mais de oito anos traduzia um “anormal funcionamento” da justiça, violando a Constituição. Segundo a lei fundamental, “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável”.

O Supremo Tribunal Administrativo determinou ainda que cabe ao Estado português organizar o seu sistema judiciário de molde a evitar que os processos se eternizem na justiça, através de sucessivos recursos e outros expedientes.

“Julgo que, a partir daqui, o Tribunal dos Direitos do Homem vai recusar aceitar um recurso com fundamento na morosidade, quando não tiverem sido previamente esgotadas as vias de recurso internas. Mas se ficar demonstrado que essas vias continuam a não responder ao objectivo para que  foram criadas, e que até esses processos se arrastam anos sem fim pelos tribunais, então voltará a insurgir-se contra o Estado português”, vaticina Rita Matias.

Arquitecto do Rossio vai ser indemnizado

O arquitecto que teve a seu cargo a reabilitação da Praça do Rossio, em Lisboa, no início da década viu esta quinta-feira do Tribunal dos Direitos Humanos dar-lhe razão, obrigando o Estado português a compensá-lo pela demora em fazer justiça. Rui Valada passou dez anos nos tribunais, entre 2003 e 2013, à espera de lhe pagarem o trabalho, pelo qual nunca recebera um tostão da Câmara de Lisboa. Agora que a autarquia já começou a pagar-lhe, os juízes de Estrasburgo mandaram Portugal indemnizá-lo em perto de 12 mil euros. É no acórdão deste caso que se pode ler que agora os cidadãos deixam de poder queixar-se directamente ao tribunal dos atrasos na justiça dos seus países.

Noutro caso envolvendo Portugal e decidido pelo mesmo tribunal, mas no qual a questão dos atrasos foi menos determinante, o Estado foi obrigado a pagar mais de dois milhões à Companhia Agrícola da Apariça, por danos materiais após uma expropriação ocorrida em 1975, durante a reforma agrária. A empresa invocou o princípio da protecção da propriedade e alegou que o montante que lhe foi atribuído a título de compensação não correspondia a uma justa indemnização. Queixou-se ainda do atraso no pagamento dessa indemnização – que corresponde a 1.7 milhões de euros, por ter ficado temporariamente privada dos terrenos.

 

Sugerir correcção
Ler 2 comentários