Fenprof acusa MEC de financiar privados com dinheiros públicos

A organização sindical critica o ministério por apoiar a abertura de turmas em colégios privados em zona com oferta pública. O MEC lembra que chegou a "liberdade de escolha".

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Daniel Rocha/Arquivo

O secretário-geral da Federação Nacional de Professores (Fenprof), Mário Nogueira, apresentou nesta quarta-feira um levantamento que, na sua perspectiva, prova que o Ministério da Educação e Ciência (MEC) está a financiar “interesses privados com dinheiros públicos”, ao apoiar a abertura de turmas em estabelecimentos de ensino particular de zonas do país em que há oferta pública. Só na região Centro, denuncia, vão ser gastos em 2016 mais cinco milhões de euros do que seria necessário. O MEC contrapõe que está em causa o direito à “liberdade de escolha” por parte dos pais.

Na origem do diferendo estão os contratos de associação entre o Estado e instituições particulares, que começaram a ser utilizados, em finais dos anos 80, para suprir a falta de oferta nas escolas públicas.

O recurso sempre foi contestado pela Fenprof, que denunciou repetidamente a realização de contratos de associação em áreas em que, argumentava, a oferta pública era suficiente. Em 2013, do ponto de vista da organização sindical, a situação agravou-se, com a aprovação do novo Estatuto do Ensino particular e Cooperativo, que fez com que os contratos de associação deixassem de estar dependentes da oferta pública existente numa dada região.

Na perspectiva de Mário Nogueira, a aprovação do estatuto “foi a primeira peça do puzzle” que mais recentemente “foi completado com a publicação da portaria” que estabelece as regras e o montante dos contratos, e que, acusou nesta quarta-feira, visa “consolidar a privatização do ensino” e "reduzir o número de docentes das escolas públicas".

Segundo a portaria, as escolas privadas com contratos de associação com o Estado vão receber 80.500 euros por turma, por ano (menos 523 euros do que estava anteriormente fixado). E passam a ser seleccionadas através de um concurso, já a decorrer, cujas candidaturas serão analisadas por uma comissão que terá em conta os resultados escolares dos alunos – “com ênfase para os resultados obtidos nas provas e exames nacionais” –, o projecto para a promoção do sucesso escolar, a estabilidade do corpo docente e a qualidade das instalações e equipamentos.

O objectivo, explicitou recentemente o MEC, em comunicado, é “garantir a oferta educativa aos alunos que pretendam frequentar as escolas do ensino particular e cooperativo em condições idênticas às do ensino ministrado nas escolas públicas”.

Este ano lectivo, foram colocadas a concurso um total de 656 turmas dos 5.º, 7.º e 10.º anos (que se somam às de continuidade, que existem actualmente). A Fenprof veio precisamente contestar a decisão. Mário Nogueira argumentou que tal só seria “uma inevitabilidade” “se as escolas públicas não reunissem condições para acolher as turmas” que, acusou, "estão a ser desviadas para o privado”. Considerou ainda que está a ser violado o artigo da Constituição que determina o direito ao acesso à escola pública e protestou contra aquilo que considera ser um acto de “despesismo”.

O sindicalista ilustrou as acusações com o resultado de um levantamento da situação na Região Centro (que pretende alargar a todo o país). Ali, referiu, estão a concurso 106 turmas do 5.º ano, 118 do 7.º e 45 do ensino secundário, pelo que, tendo em conta o resultado de um estudo de 2012 sobre o custo por turma (encomendado pelo próprio MEC,) "só naquela região, no próximo ano, os contribuintes pagarão mais 1,8 milhões de euros” do que seria necessário devido às novas turmas, e mais 5 milhões se se tiver em conta a totalidade das turmas financiadas.

Isto, sublinhou Mário Nogueira, apesar de em quase todos os concelhos as escolas públicas terem capacidade para acolher as crianças. Deu inúmeros exemplos, entre os quais o do concelho de Coimbra, onde há capacidade nas escolas públicas para 80 turmas e o MEC vai conceder aos privados 48.

Em resposta a questões colocadas pelo PÚBLICO, o MEC recordou que “o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo consagra o modelo de contratos de associação como um meio de alargamento da liberdade de escolha por parte dos pais”. Faz notar, ainda, que o número de turmas financiadas tem vindo a baixar nos últimos seis anos (de 1996, em 2010/2011 para 1732, em 2015/2016) e que o mesmo aconteceu com o financiamento por turma (que chegou a ser de 114 mil euros por ano e está nos 80.500).

O director executivo da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo, Queiroz e Melo, cita os mesmos dados. Considera “legítimo que a Fenprof defenda os interesses particulares dos seus associados”, mas faz notar que a redução do número de turmas e do financiamento nos últimos anos obrigou a uma reestruturação do sector privado que afectou,naturalmente, trabalhadores. "Muitos deles são também professores”, frisou. 

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