Farmácias dos hospitais, uma das bandeiras de Sócrates, fecharam todas

Manuel Pizarro, ex-secretário de Estado da Saúde no Governo de Sócrates, lamenta que "uma boa ideia seja abandonada porque as experiências correram mal".

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Cartões de desconto para medicamentos levantam dúvidas sobretudo de ordem ética PEDRO VILELA

Era uma das grandes bandeiras do Governo de José Sócrates e do PS para a saúde, mas revelou-se um enorme fiasco. A última das seis farmácias privadas que abriram junto às urgências de hospitais públicos fechou esta sexta-feira, no Centro Hospitalar S. João (Porto), deixando 22 trabalhadores no desemprego. Antes desta, as outras cinco espalhadas pelo país já tinham encerrado as portas, acumulando dívidas de vários milhões de euros e processos que se arrastam há vários anos nos tribunais.

Era uma das grandes bandeiras do governo de José Sócrates e do PS para a saúde, mas revelou-se um enorme fiasco. A última das seis farmácias privadas que abriram junto às urgências de hospitais públicos fechou ontem, no Centro Hospitalar S. João (Porto), deixando 22 trabalhadores no desemprego. Antes desta, as outras cinco espalhadas pelo país já tinham encerrado as portas, acumulando dívidas de vários milhões de euros e processos que se arrastam há vários anos nos tribunais.

A farmácia do Hospital de Faro voltou a abrir, entretanto, mas serve agora para distribuir medicamentos hospitalares aos seus doentes. Em Penafiel também se decidiu converter o espaço numa farmácia de ambulatório. No Hospital de Santa Maria ( Lisboa), a administração já anunciou que vai fazer o mesmo, mas o processo está atrasado.

Depois de em cinco anos nunca ter fechado portas (estava aberta 24 sobre 24 horas), a farmácia localizada mesmo à entrada do Hospital de S. João não teve alternativa e foi mesmo obrigada a encerrar. Nélson Montalvão, 32 anos, cinco dos quais a trabalhar ali como técnico de manutenção, não se conforma com este  desfecho. “O hospital não quis abrir o concurso para continuar com a concessão do espaço porque tem interesse em ficar com o edifício. Nós chegamos a ter mil e tal utentes por dia, agora tínhamos cerca de 800, havia picos, mas a farmácia era viável”, argumenta.

Nélson ainda organizou um abaixo-assinado de clientes “revoltados com o fecho”, recorreu a deputados de todos os partidos políticos, mandou reclamações e pedidos de informação para todo o lado, mas de nada serviram os seus esforços e apelos. “O hospital mandava para o Estado, o Estado reencaminhava para a Administração Regional de Saúde do Norte, o Infarmed [Autoridade do Medicamento] nem sequer respondeu. Ninguém quer saber de nada”, lamenta. “Só o PS disse que ia ajudar na recolha de assinaturas. Afinal, foi uma bandeira deles”, recorda.

O gestor da Sociedade Central Farmacêutica Hospitalar que ficou com a concessão da farmácia do S. João ainda tentou renegociar as condições do contrato, sem sucesso. O Centro Hospitalar S. João adiantou que a farmácia tem uma dívida de mais de 6,2 milhões de euros e que o processo judicial se arrasta há três anos. Aqui, a renda anual era de 500 mil euros e a farmácia tinha que pagar ao hospital uma percentagem de 15% da facturação. Pode parecer uma exorbitância agora, mas os tempos eram outros.

“Foi um projecto ambicioso. Hoje é completamente impensável [falar destes valores], mas a conjuntura na altura era totalmente diferente. Veio a crise, diminuiram as margens [das farmácias] e reduziram-se os preços dos medicamentos. Tudo aconteceu em catadupa. Estas farmácias entraram em incumprimento, não pagavam a renda ou a percentagem da facturação [estipulada no contrato]”, explica Manuela Pacheco, presidente da Associação das Farmácias de Portugal, que representava a maior parte destes estabelecimentos.”Até me admira o tempo que resistiram”, confessa.

Era, pois, uma morte anunciada. À medida que os contratos de concessão (de cinco anos) iam chegando ao fim, as outras cinco farmácias que funcionavam neste modelo foram fechando uma a uma, acumulando dívidas e litígios em tribunal, por não conseguirem suportar as elevadíssimas rendas e percentagens sobre a facturação.

A farmácia do Santa Maria, por exemplo, pagava 600 mil euros por ano. Após o fecho, o administrador do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (a que pertence o Santa Maria) chegou a anunciar que ia reabrir o espaço para a dispensa de medicamentos hospitalares e para a realização de análises, mas o processo atrasou-se. “Ainda não foi reaberta e a ser será para serviços internos, por exemplo, farmácia hospitalar”, esclarece agora a assessoria de imprensa.

Mais célere, meio ano após o encerrramento, a administração do hospital de Faro voltou a abrir a farmácia em Janeiro, em moldes completamente diferentes. O espaço foi aproveitado para a dispensa de medicamentos hospitalares aos seus doentes. As outras continuam à espera de alguma decisão. Leiria foi a primeira a fechar e continua encerrada, tal como a farmácia do hospital dos Covões, em Coimbra.

“Continuo a achar que esta é uma grande ideia, um belíssimo serviço à população, útil sobretudo para os cidadãos que não têm recursos e não têm transporte próprio”, defende Manuel Pizarro, ex-secretário de Estado adjunto da Saúde do PS, para quem estas farmácias foram vítimas das condições em que os concursos foram feitos e da mudança no mercado do medicamento.

“Não faz sentido que se destrua uma boa ideia porque as experiências correram mal”, diz o ex-governante, que acredita que havia alternativas. “Uma das hipóteses era transferir a titularidade do alvará da sociedade gestora para os hospitais em causa e promover novos concursos. Mas o governo tinha que criar condições legais para tal e desde há quatro anos que não há vontade política [para discutir este assunto]”, sintetiza.
 

 

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