Faltam 800 médicos de família em todo o país, mais de metade em Lisboa

Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar alerta para "estagnação" da reforma dos cuidados de saúde primários, com mais de um milhão de portugueses ainda sem médico de família.

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Em média, os clínicos dão 25 consultas por dia Foto: Rui Gaudêncio

A reforma dos cuidados de saúde primários está “estagnada” e faltam 800 médicos de família em todo o país, 500 dos quais apenas na região de Lisboa. O alerta é feito pelo presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar. Rui Nogueira mostra-se especialmente preocupado com as “assimetrias regionais”, com algumas zonas do país em que “uma em cada três ou quatro pessoas não têm médico de família” – ao mesmo tempo que há 260 recém-especialistas que ainda aguardam colocação por falta de abertura de concurso por parte do Ministério da Saúde.

Por outro lado, o especialista alerta que só metade dos utentes já são atendidos nas unidades de saúde familiar (USF), enquanto os outros ainda só têm acesso aos antigos centros de saúde. A advertência é feita quando nesta terça-feira se assinala o Dia Mundial do Médico de Família, com Rui Nogueira a defender que a promissora reforma iniciada há dez anos nesta área está “praticamente parada” e a apontar que a abertura de mais USF era uma das metas acordadas com a troika “com quem o Governo tem tantas preocupações”.

As primeiras USF foram criadas em 2006 e representam um modelo inovador em que os cuidados de saúde são prestados com base em indicadores e os profissionais premiados por incentivos. Ao todo existem mais de 400 em todo o país, mas o ritmo de abertura caiu de tal forma que em 2015 ainda só abriu uma. Sobre este ponto, o Ministério da Saúde tem contraposto que a abertura resulta de um processo de candidatura voluntária dos profissionais e que, por isso, o número não tem crescido mais. Em resposta às questões do PÚBLICO, o Ministério da Saúde admitiu que há 1,2 milhões de portugueses sem médico de família, mas garantiu que dentro de dois anos o problema estará totalmente ultrapassado com a chegada de novos especialistas formados. Adiantou também que tem concurso aberto para contratar 400 reformados.

Porém, para Rui Nogueira o que tem existido é “falta de vontade política”. “Com este abandono da reforma na verdade não evoluímos. Hoje temos mais de um milhão de pessoas sem médico de família, um número maior do que tínhamos”, acrescentou. O presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar recusa também que este seja um problema do interior, “que o Governo tentou resolver dando incentivos”. “O interior é na realidade Lisboa, sobretudo Amadora e Sintra, mas também todo o estuário do Tejo e Algarve. Em termos médios, no país 12% da população não tem médico de família e nestes locais são cerca de 30%, muito acima da média nacional”, contrapôs.

O clínico considera que o problema mais emblemático do “cabal esquecimento” é existirem 260 médicos de família formados em Abril e que não foram ainda colocados porque o concurso não abriu. “É uma situação perfeitamente aberrante. Estão a trabalhar em situações precárias, provisórias e não necessariamente onde há mais falta de médicos de família. É uma ilusão para todos”, insiste Rui Nogueira, que lembra que há sempre especialistas formados em Abril e em Outubro pelo que não entende o “carácter excepcional” dos concursos.

Questionado sobre a possibilidade de aumento da lista dos médicos, que agora têm perto de 1900 utentes nas suas listas, Rui Nogueira rejeitou que essa seja uma solução. E justifica com números: em média cada cidadão tem 2,8 consultas por ano nos cuidados de saúde primários. Isso significa que um médico terá de dar cerca de 25 consultas por dia, “um esforço enorme que não pode ser aumentado”. Também recusa ideias como a recentemente avançada de disponibilizar consultas virtuais através da Linha Saúde 24 a quem não tem médico de família. “Isso funciona para doentes que já conhecemos e que nos conhecem. Para doentes que não conheço eu não fico descansado e o doente também não”, reitera.

Em alternativa, o médico considera que seria importante reforçar os centros de saúde e USF com mais administrativos, enfermeiros e profissionais como nutricionistas, psicólogos e higienistas orais. “Não resolveria o problema mas ajudaria a dar uma melhor resposta”, salienta Rui Nogueira, que entende ser também importante avançar de forma generalizada com a figura do enfermeiro de família. Muitos destes números e problemas serão apresentados nesta terça-feira ao secretário de Estado adjunto da Saúde, Fernando Leal da Costa, no âmbito das acções que a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar está a promover em todo o país com o objectivo de sensibilizar a população para a importância dos médicos de família.

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