Falta de recursos humanos potenciou violência no Colégio Militar, diz antigo director

Maus tratos a alunos no ano lectivo 2006/07.

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Alunos do Colégio Militar estão a ser julgados por maus tratos

O director do Colégio Militar à data dos alegados castigos cometidos por oito antigos alunos, contra três outros estudantes, disse nesta sexta-feira em tribunal que a falta de pessoal "potenciou a violência", garantindo que alertou o Exército para situação "problemática".

Os oito arguidos tinham, à data dos supostos factos, entre 17 e 22 anos, e frequentavam o último ano na condição de graduados ou de comandantes de companhia ou secção. Estão a ser julgados por maus tratos praticados, alegadamente, no interior do Colégio Militar, no ano lectivo de 2006/07, e no início de 2008, quando as três vítimas tinham 10, 11 e 13 anos.

Nesta sexta-feira, durante a sua inquirição como testemunha, o major general Raul Passos - director do Colégio Militar entre 2006 e 2010 - culpou a falta de recursos humanos pelas agressões que aconteceram no Colégio Militar, acrescentando que, "reiteradamente", informou o Exército da situação "problemática" e de "alto risco" que se vivia no seio daquela instituição de ensino.

"Informei o Conselho de Instrução e Doutrina e o Exército de que o risco de acontecer alguma situação desagradável era alto. Os recursos humanos, entre outros, eram escassos. Reportei a quem de direito, por diversas vezes, que a situação que se vivia no Colégio Militar era problemática e que havia riscos", explicou o oficial ao colectivo de juízes da 6ª Vara Criminal de Lisboa, no Campus da Justiça.

O major general acrescentou perante o tribunal que "ainda hoje há essa necessidade", de recursos humanos no Colégio Militar.

"Fizemos [a direcção] tudo o que estava ao nosso alcance para alterar o estado de coisas. O Colégio Militar não falhou. Estávamos a lidar com jovens e não vivemos num mundo perfeito. Somos humanos, eu erro, um professor erra e o Colégio Militar não é perfeito. Falamos de cerca de 400 alunos num processo de juventude e de adolescência muito complicados", justificou o oficial.

Questionado, várias vezes, pelo colectivo de juízes, pela magistrada do Ministério Público e por alguns dos advogados, sobre que medidas efectivas adoptou - além de informar o Exército - assim que tomou conhecimento dos actos violentos praticados da instituição por si dirigida, o militar limitou-se a dar sempre a mesma resposta.

"Abrimos processos de averiguações de todas as situações relatadas, tendo alguns acabado em processos disciplinares.

Os actos de violência foram sempre repudiados por nós e tentamos, inúmeras vezes, através de várias incitativas e reuniões incutir nos mais velhos de que a violência não era recurso. A direcção não tolerava atitudes violentas", explicou Raul Passos.

O militar acredita ter-se tratado de casos em que os alunos mais velhos "fizeram justiça pelas próprias mãos".

O oficial disse ainda em tribunal que "nunca pediu" para ser director do Colégio Militar, que "nunca foi aluno daquela instituição de ensino" e que, "em momento algum foi pressionado" pela Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar para que não tomasse outro tipo de medidas para travar os recorrentes agressões.

À saída das Varas Criminais, questionado se não se sentia também culpado pelas agressões verificadas no Colégio Militar, o antigo director assumiu aquilo que não tinha assumido perante o colectivo de juízes.

"É óbvio que sou culpado. Todos somos culpados. Se no Colégio Militar acontecem acidentes e problemas a direcção tem culpa. Não me sinto feliz nem contente por estas situações terem acontecido, mas estou de consciência tranquila, pois fizemos tudo o que estava ao nosso alcance", disse aos jornalistas.

Por seu lado, Garcia Pereira, advogado de duas das três vítimas, disse que, quando "não se vai às causas do fenómeno, corre-se o risco do fenómeno se reproduzir", aludindo à possibilidade de, nos dias de hoje, ocorrerem actos de violência no interior do Colégio Militar.

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