Ex-procuradoras que ajudaram evadido da prisão condenadas a penas suspensas

Acusadas de violação do sigilo profissional, acesso indevido, abuso de poder, favorecimento pessoal e falsificação de documento. Uma delas envolveu-se com falso agente da Interpol a quem deu dados sigilosos.

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Ministério da Justiça decidiu manter vários tribunais Hélder Olino/Arquivo

As Varas Criminais de Lisboa condenaram nesta segunda-feira a penas suspensas duas ex-magistradas do Ministério Público que ajudaram e passaram a um evadido da prisão informações e dados pessoais de altos quadros daquela magistratura e da Polícia Judiciária.

Sónia Moreira foi condenada a três anos e meio de prisão e Sílvia Bom a dois anos e nove meses, penas suspensas na sua execução por igual período. José Lorosa de Matos, que se encontrava foragido à justiça à data dos factos, tendo-se envolvido intimamente durante esse período com as duas arguidas, foi condenado a cinco anos de prisão efectiva, enquanto a um quarto arguido foi aplicada uma pena suspensa de um ano e três meses.

As arguidas, que exerceram funções como procuradoras adjuntas no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, entre 2004 e 2011, tinham já sido expulsas do Ministério Público.

Estavam acusadas de violação do sigilo profissional, acesso indevido, abuso de poder, favorecimento pessoal e falsificação de documento.

Para o colectivo de juízes da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, ficou provado, no essencial, "com pequeninas diferenças", os factos constantes do despacho de acusação, sublinhando que "a prova foi clara".

Para a presidente do colectivo de juízes, Rosa Brandão, "não restam dúvidas" de que, desde Junho de 2005, as arguidas conheciam a verdadeira identidade do arguido Lorosa de Matos. O homem era, na verdade, manobrador de máquinas. Os juízes não deram assim credibilidade à versão apresentada por Sónia Moreira e corroborada pela defesa de Sílvia Bom, que não prestou declarações em julgamento, que argumentava que as magistradas foram enganadas pelo arguido, o qual se fez passar por funcionário da Interpol.

O tribunal considerou que o depoimento de Sónia Moreira "não foi credível, foi muito contraditório e confuso", acrescentando que as arguidas, sendo magistradas, "tinham a obrigação de saber que não podiam realizar aquelas pesquisas" para ajudar Lorosa de Matos, nomeadamente para que este pudesse usar a identidade desses cidadãos.

Uma dessas vítimas, de quem o arguido usou a identidade, recebeu a informação de que tinha um filho em Espanha.

Arguidas deviam ter “separado a vida profissional da privada”

A presidente do colectivo de juízes reconheceu que Lorosa de Matos tem "uma personalidade forte e manipuladora", e que se aproveitou de mulheres emocionalmente vulneráveis, como fez com as duas arguidas, as quais ficaram "com a razão toldada".

Rosa Brandão sustentou, contudo, que as duas ex-magistradas, sendo procuradoras, deviam ter mantido a razão e a vida profissional separadas da vida privada.

O tribunal informou ainda que foi extraída uma certidão, a qual foi remetida ao titular do inquérito, para que se investiguem outros factos e crimes, nomeadamente burlas, envolvendo os arguidos Lorosa de Matos e Rui Novais.

Victória Assunção, advogada da arguida Sílvia Bom, disse à saída das Varas Criminais de Lisboa que vai ler o acórdão e ponderar se recorre da decisão. A mesma posição teve Artur de Matos, advogado de Rui Novais, acrescentando que não se fez prova de que as arguidas e o seu constituinte tinham conhecimento da verdadeira identidade de Lorosa de Matos.

Segundo o despacho de acusação, as duas ex-procuradoras "envolveram-se intimamente" com o arguido Lorosa de Matos, que se encontrava foragido à justiça, desde 2003, ano em que se evadiu após uma saída precária da prisão, quando cumpria nove anos de prisão por burla, falsificação e extorsão.

O Ministério Público sustenta que, entre 2005 e 2010, as arguidas acederam à plataforma informática do DIAP de Lisboa e passaram informações de processos e dados pessoais de juízes e elementos da PJ a Lorosa de Matos, que conheceram via internet, e a um quarto arguido, com quem uma das arguidas também viria a envolver-se intimamente.

Funcionária do IMT diz ter sido pressionada pelas ex-magistradas

Durante o julgamento, as ex-procuradoras foram acusadas por uma funcionária do Instituto da Mobilidade e dos Transportes de a terem intimidado para apressar a emissão da carta de condução do então namorado de uma delas. Pretendiam ajudar o arguido que se fazia passar por agente da Interpol.

O homem, fugido no Reino Unido depois de ter escapado de uma prisão portuguesa numa saída precária, teria, dizia o MP, recebido uma carta de condução portuguesa que conseguira graças ao uso de um documento de identificação roubado a outra pessoa.

“Identificaram-se como procuradoras e aquela que falou comigo mostrou agressividade. Fiquei com a ideia de uma certa intimidação”, disse então Maria do Amparo Ferreira ao tribunal. 

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