Exames de Português do 9.º não tiveram em conta programa, alertam professores

Há uma questão sobre Os Lusíadas, nas provas das duas fases, que os alunos poderão nunca ter abordado nas aulas. Critérios de classificação também levantam dúvidas.

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Associação de professores defende que ausência de resposta não deve ser penalizada Foto: Paulo Pimenta

O que é um plano de acção de Os Lusíadas? Os alunos do 9.º ano que fizeram os exames da disciplina na 1.ª e 2.ª fase foram confrontados com esta questão, cuja abordagem nas aulas não é obrigatória já que não consta nem do programa nem das metas curriculares de Português.

No exame da 2.ª fase poderá existir ainda outro problema: o cenário de resposta apresentado nos critérios de classificação para esta questão estará incorrecto. Estes critérios são elaborados pelo Instituto de Avaliação Educativa (Iave) e podem ser corrigidos até ao final do processo de classificação, garante o instituto.

O alerta foi dado pela Associação de Professores de Português (APP) a propósito do exame da 2.ª fase, realizado a 16 de Julho por 5942 alunos, embora a mesma questão sobre os planos de acção tenha sido também colocada aos mais de 90 mil que fizeram a prova na 1.ª fase, em Junho, e cujas notas foram conhecidas já este mês. A média nacional foi de 58% numa escala de 0 a 100.

Nos dois enunciados era pedido aos alunos que identificassem qual o plano de acção em que se inseriam as estrofes d'Os Lusíadas seleccionadas para as provas (do Canto VI na 1.ª fase e do Canto IV na 2.ª). Depois de ter sido alertada para o caso por alguns dos seus sócios, a presidente da APP, Edviges Ferreira, enviou na sexta-feira um conjunto de observações ao responsável do Iave, Hélder de Sousa, onde chama a atenção para o facto de os critérios de classificação preverem que sejam penalizadas as respostas que não referem os planos, quando estes “fazem parte de um conteúdo não contemplado pelo programa em vigor, nem pelo documento Metas Curriculares Para o Ensino Básico”.

Ou seja, há alunos que fizeram os exames que podem nunca ter estudado este conteúdo nas aulas. Por essa razão, a APP solicitou ao Iave que a ausência de resposta a esta questão “não deverá ser penalizadora na classificação das provas”.

Questionado pelo PÚBLICO, o Iave respondeu primeiro que “a referência aos planos da narração [nos enunciados das provas] é uma estratégia utilizada para a compreensão da estrutura narrativa da obra e segue a recomendação do programa de não abordar excertos isolados (contextualização)”. Face a novas questões, garantiu depois que “os planos constam do programa”, mas escusou-se a indicar em que parte deste documento estão referidos.

Uma consulta ao programa de Português do ensino básico aprovado em 2009, que foi aquele que esteve em vigor para os alunos que fizeram agora os exames, permite constatar que não existe ali qualquer referência a planos narrativos. O que se discrimina no programa são os episódios e estâncias de Os Lusíadas que deverão ser estudados e os episódios em que se inserem.

É esta “arrumação” dos Lusíadas por episódios (Concílio dos Deuses, Despedidas em Belém, Adamastor, Inês de Castro, etc.), centrada nos temas abordados nas várias estâncias, que tem sido considerada obrigatória no 9.º ano. Aliás, em todos os exames anteriores da disciplina em que a obra de Camões foi proposta aos alunos, sempre foi pedido para que identificassem o episódio, e não o plano, em que se integravam as estrofes seleccionadas.

Critérios em causa
A organização da narração d’Os Lusíadas em quatro grandes planos (Poeta, Viagem, Deuses, História de Portugal) foi proposta pelo escritor Jorge de Sena para mostrar  “de que modo Camões organiza os seus materiais, para contar (…), uma “história”, como qualquer narrador”. Na sua obra sobre a estrutura da obra de Camões, Jorge de Sena inclui todo o Canto IV,  onde se integram as estrofes respeitantes ao episódio das Despedidas de Belém proposto no exame da 2.ª fase, no plano da História de Portugal. Nos critérios de classificação elaborados pelo Iave é apresentada como resposta o plano da Viagem.

No seu alerta ao Iave, a APP refere que esta leitura “não é consensual”, mas sendo a obra de Jorge de Sena “uma referência importante no estudo da epopeia de Camões” sugere que, na classificação da prova, sejam admitidas as duas respostas (Viagem e História de Portugal) sem qualquer penalização”. Em resposta ao PÚBLICO, o Iave indicou que serão “aceites todas as designações que forem cientificamente válidas”. 

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