Eu também não

O hedonismo tem má reputação, mas é, de longe, a filosofia de vida mais aprazível. É pena, também, estar entre as mais raras.

Uma das justiças que nos compensam por envelhecer é deixarmos de defender as nossas ignorâncias.

Há anos, defendia-me de não ver televisão com a mentira escusada que não tinha tempo. Claro que tinha tempo. Vejo televisão, mas só quando está cortada em bocadinhos escolhidos. Pelo menos sofro (e beneficio) da ilusão dessa escolha.

Quando somos novos — se é que alguma vez fomos, sabendo que éramos orgulhamo-nos estupidamente daquilo que fizemos.

É um erro conveniente. Mal começamos a saber mais coisas (e a envelhecer), passamos a agradecer todas as coisas que não sabemos.

As nossas ignorâncias, desde que escolhidas com a cabeça ou com o coração, acabam por sinalizar atenções mais deliciosas e florescentes. Só se pode viver uma hora de cada vez.

Tenho pena de não ter sido sempre hedonista. O hedonismo tem má reputação, mas é, de longe, a filosofia de vida mais aprazível. É pena, também, estar entre as mais raras.

O prazer, tal como a poesia, a inteligência e o egoísmo, sofre dos maiores preconceitos por parte da grande maioria que não se reconhece nestes substantivos.

O prazer está entre as palavras mais abusadas. Sempre que alguém diz "é com grande prazer" antes de apresentar um conferencista ou descerrar uma lápide, adivinho o desconforto de estar perante um tarado sexual.

Todos juntos, os prazeres do que não se viu, de quem não se conheceu, do que não se levou mais longe, tornam-se facilmente no maior prazer das nossas vidas.

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