Estrangulou mulher que tinha desistido de o processar por violência doméstica

Marido mata companheira que se estava a separar dele. Apesar de ter sido considerado perigoso não usava pulseira electrónica.

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Valor associado ao crime já ascende a 1,1 milhões de euros Sérgio Azenha

Um homem de 54 anos estrangulou esta quinta-feira na Charneca da Caparica, no concelho de Almada, a mulher com quem viveu durante cerca de duas décadas. Logo a seguir chamou uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica e ligou para o posto da GNR, para informar as autoridades do homicídio, que assumiu ter cometido.

Há vários meses que o casal, que tinha dois filhos, já não coabitava. O processo de divórcio estava em curso e o homem tinha-se deslocado ao bairro de moradias onde morava a antiga companheira para ir buscar pertences seus que ainda ali tinha. Eram cerca de 11h quando o telefone soou no posto da GNR da Charneca da Caparica. Era o homicida a confessar o crime. Os guardas foram para a Praceta do Cruzeiro, mas, como também constataram os técnicos do INEM no local, já nada havia a fazer. Depois de acompanhar a Polícia Judiciária nas diligências necessárias à investigação o homem foi detido.

Tinham passado oito meses sobre a denúncia de violência doméstica que a mulher, de 43 anos, apresentara à GNR, e que dera origem a um processo-crime. O marido iria responder em tribunal por a maltratar.

De acordo com o inquérito de avaliação de risco a que a vítima foi submetida quando apresentou queixa, o agressor revelava um elevado grau de perigosidade, soube o PÚBLICO junto de fonte desta corporação. Não lhe foi, porém, aplicada pulseira electrónica que evitasse a sua aproximação da antiga companheira.

Há cerca de um mês a mulher pediu a suspensão provisória do processo - o que significaria que, caso não acontecesse mais nenhum episódio de violência, o tribunal acabaria por arquivar o caso sem o julgar. Trata-se de um mecanismo a que recorrem com alguma frequência as vítimas de violência doméstica desde que deixou de ser possível desistirem da queixa, por este crime se ter tornado público, explica Elisabete Brasil, do Observatório de Mulheres Assassinadas da União das Mulheres, Alternativa e Resposta. “A suspensão provisória do processo é pedida por medo de novas represálias. Não faz sentido nestes casos”, equivalendo, na prática, a uma desistência da queixa, observa a mesma activista. A diferença é que o Ministério Público pode vetar a suspensão provisória do processo, que a lei só permite quando o agressor não tem cadastro neste crime. Por outro lado, esta desactivação da queixa pode ser acompanhada da aplicação da pulseira electrónica. A suspensão só se aplica a crimes puníveis com prisão até cinco anos e pode implicar, nas situações de violência doméstica, a frequência de cursos de reabilitação por parte do agressor.

O PÚBLICO tentou, sem sucesso, saber se neste caso o pedido de suspensão foi aceite pelo magistrado encarregue do processo ou se ainda não havia uma decisão. A aceitação é, no entanto, a regra: diz um despacho de 2009 da procuradora-geral distrital de Lisboa que, perante um requerimento da vítima no sentido do “congelamento” do processo, “parece não haver margem de decisão em contrário por parte da autoridade judiciária, mesmo que esta avalie um grau de culpa elevado e um risco subsistente para a vítima”.

Com esta morte, sobe para 19 o número de mulheres mortas desde o início do ano em contexto de violência doméstica – uma cifra mesmo assim inferior ao período homólogo de 2014.  Segundo os dados mais recentes sobre violência doméstica divulgados pela Direcção-Geral da Administração Interna, em 2013 apenas 17% dos inquéritos abertos na sequência de um crime deste tipo deram origem a acusação, tendo 76% sido arquivados e 6,5 suspensos provisoriamente.

Reformada por invalidez, a mulher assassinada na Charneca da Caparica terá sido encontrada morta pelo filho, que se encontrava no andar de cima da vivenda com um amigo quando tudo aconteceu. O marido estava desempregado.

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