“Estar à mesa implica processos de integração e ao mesmo tempo de exclusão”

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Paulo Pimenta

Mónica Truninger, socióloga, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, é autora de uma tese sobre o consumo de produtos de agricultura biológica em Portugal. Começou por falar da relação emocional que temos com a comida – e nós começámos a entrevista por aí.

O que é ter uma relação emocional com a comida?
As pessoas não são só razão, a componente emocional está relacionada com as experiências vividas quando estamos a cozinhar, com os cheiros que vêm da comida, com o sabor e o gosto. A comida está carregada de articulações positivas com esses prazeres, está associada a estados emocionais e até ao prazer de fazer bem uma coisa: ‘Ah hoje este pão saiu mesmo bem’. A comida também passa pelo cuidar: cuidar da família, do outro, de si próprio, até dos animais, de dar prazer aos outros.

A relação emocional que estabelecemos com a comida não é muito diferente da que acontece em qualquer outro país. Em qualquer país encontramos pessoas que têm uma relação emocional, afectiva com determinados alimentos. A comida também se come com os olhos, com os sentidos, estando ligada a estados emocionais de alegria ou tristeza.

Quando há famílias ligadas à agricultura já há uma reprodução de práticas e de saberes que passam de geração em geração: portanto há um acesso a formas de fazer, a saber fazer, a sementes (as pessoas até guardam sementes que vêm dos avós).

Há também a questão das competências para saber como se coze pão num forno de lenha – porque é diferente cozinhar pão num micro-ondas. Aprender ocupa tempo e essas coisas já estão enraizadas quando há uma reprodução de saberes que passam de pais para filhos.

Quando os alimentos (colhidos no próprio quintal) chegam à mesa, e a família se reúne, o que é que acontece?
Há muitas coisas a acontecer. Há aquilo que se gosta de realçar que é a importância de as pessoas comerem à mesa, de envolver as crianças e os pais, de conversar. Este é um discurso tipicamente de classe média, e romantizado. O problema é que se esquece que estar à volta de uma mesa implica também excluir determinados membros da família, implica sempre processos de integração e ao mesmo tempo de exclusão. O que se lê é a parte mais romântica e positiva. E a dieta mediterrânica faz a apologia de que se comia bem à volta da mesa, e se passavam horas no convívio, mas não era bem assim. Pensamos que as pessoas que viviam no campo tinham uma vida relaxada, mas havia dessincronizações de tempos que tornavam os ritmos da vida no campo intensos. Ou seja, há também conflitos, exclusão, fronteiras à mesa, de quem pertence e não pertence à mesa. E depois é: quem é que trata de pôr aquela gente toda à mesa? Normalmente é a mulher que prepara as refeições, logo aqui há desigualdades de género que podem ser reproduzidas, se se começar a meter na cabeça das pessoas que comer bem significa estar à mesa e preparar a comida de raiz. Porque a preparação de refeições acaba sempre por cair em determinadas pessoas e infelizmente na sociedade portuguesa ainda é nas mulheres.

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