Estabilidade precisa-se

Que ganham as Escolas, o Sistema Educativo, os alunos e as famílias com a eliminação das provas finais de 4.º e 6.º anos?

Recentemente, o Ministro da Educação (ME) deu a conhecer ao país o “modelo integrado de avaliação externa das aprendizagens no Ensino Básico”, cujas medidas, algumas inovadoras, entram em vigor, em grande parte, no presente ano letivo.

A primeira observação que se pode fazer deste novo modelo integrado de avaliação é que começa por desintegrar o modelo vigente: de uma penada, acabam as provas finais de 4.º e 6.º anos, suspende-se o PET (Preliminary English Test) do 9.º ano e surgem provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade.

Resumidamente, os alunos dos 4.º e 6.º anos que iniciaram o ano em setembro e, desde essa data, se estavam a preparar (ou a treinar, como se diz agora) para as provas finais receberam a notícia de que, afinal já não vão ter prova. Os do 9.º ano já não terão de se preocupar com o PET e os dos 2.º, 5.º e 8.º anos vão preparar-se, agora, para uma prova que desconheciam quando começou o ano letivo.

Com alguma nitidez, percebe-se que a opção não foi a de corrigir ou retificar as debilidades já diagnosticadas no atual sistema de avaliação, bem identificadas no recente parecer do CNE, mas sim a de substituir o modelo de avaliação existente em seis dos nove anos de escolaridade do Ensino Básico.

A segunda observação a fazer é a seguinte: qualquer avaliação externa afeta o quotidiano escolar, não pela sua natureza, mas porque a sua operacionalização quebra a rotina nas Escolas. Quer a avaliação externa se faça através de provas finais, quer sob a forma de provas de aferição, sendo semelhante a operacionalização de ambas, semelhante será a alteração da rotina escolar. Daqui resulta que não será por se eliminarem as provas nacionais de 4.º e 6.º ano e introduzirem provas de aferição no 2.º, 5.º e 8.º que deixaremos de ter os constrangimentos que todos conhecemos e que o CNE bem identificou. Será a operacionalização das novas provas que ditará se os constrangimentos serão semelhantes, menores ou maiores que os existentes aquando da aplicação das provas finais.

A terceira observação prende-se com a suspensão do PET, que considero sensata e, espero, seja breve. De facto, era a complexa operacionalização do PET e as exigências laborais extra que impendiam sobre os professores de Inglês que causavam constrangimentos e mal-estar nas Escolas. O que urge eliminar são estes constrangimentos. Não será sensato, nem inteligente, que se elimine a possibilidade de os alunos das Escolas públicas portugueses acederem, a custos reduzidos e, em alguns casos, gratuitamente, a um certificado internacional de proficiência em inglês.

A quarta observação tem a ver com o modo, surpreendente e inopinado, como surge este novo modelo. Não se alcança que uma matéria central no sistema educativo, tão sensível às comunidades educativas e em que se exige um amplo e duradouro consenso, tenha surgido sem um prévio debate público e sem auscultação das Escolas e das Comunidades Educativas.

A quinta observação prende-se com o momento de aplicação deste modelo. Podia-se ter optado por elaborar uma proposta submetê-la a discussão pública. Podia-se ouvir os parceiros, alargar consensos e aplicar a solução que viesse a ser encontrada no próximo ano letivo. Não foi o caso e ainda não se vislumbram fundamentos pedagógicos, nem organizacionais, que possam justificar alterações ao modelo de avaliação dos alunos em pleno decurso do ano letivo. Pelo contrário, parece-me que a aplicação de novas regras de avaliação, sensivelmente a meio do ano letivo, fere os direitos dos alunos e das famílias e é eticamente questionável.

A sexta observação diz respeito ao tão falado “estreitamento curricular”, induzido pelo facto de as provas finais avaliarem, apenas, conteúdos das disciplinas de Português e Matemática. Obviamente, se as provas finais apenas avaliam conhecimentos / aprendizagens de Português e de Matemática, os alunos, as famílias e os professores vão valorizar e focar-se sobretudo nestas disciplinas. Por isso, as críticas ao “estreitamento curricular” eram justas. No entanto, este constrangimento seria facilmente ultrapassado se o ME, que decidiu que as provas finais se aplicavam, apenas, a estas duas disciplinas de decidisse que se aplicavam a todo o plano curricular. O mesmo acontecerá com as provas de aferição: será o ME a decidir em que disciplina ou disciplinas se aplicarão. Certo é que, em não as aplicando a todo o plano curricular sempre se poderá falar de “estreitamento curricular”. Veremos em que grau, porque o modelo apresentado ainda não é esclarecedor.

A sétima e última observação prende-se com a questão de fundo que é a eliminação das provas finais de 4.º ano (decisão parlamentar) e de 6.º ano e a introdução de provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos, não para substituir aquelas, mas para materializar os propósitos elencados no modelo. Convém esclarecer já que seria possível introduzir provas de aferição, as três previstas, ou outras, mantendo as provas finais. A opção, como se sabe, não foi essa.

A diferença fundamental entre uma prova de aferição e uma prova final, tal como se anunciam e as conhecemos, é que aquelas não contam para a avaliação final e estas entram, com um determinado peso, na avaliação final dos alunos, nas disciplinas em que se aplicam. Esta diferença faz toda a diferença, como bem assinalou o CNE, em relatório recente: as provas finais, ao contrário das provas de aferição despertam, mobilizam e responsabilizam os alunos, as famílias, os professores e as Escolas na obtenção de bons resultados e de sucesso escolar.

As questões que se colocam e a que urge responder são as seguintes: que ganham as Escolas, o Sistema Educativo, os alunos e as famílias com a eliminação das provas finais de 4.º e 6.º anos? E se são as provas finais, e não as de aferição, que despertam, mobilizam e responsabilizam toda a comunidade escolar, como se poderá almejar uma “melhoria das aprendizagens” e do “sucesso escolar dos alunos”, eliminando-as?

Director da Escola Secundária Eça de Queirós, Póvoa de Varzim

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