Pelo menos uma em cada dez casas na orla costeira está desocupada

Projecto Change, apresentado na quarta-feira em Lisboa, traça cenários sobre o impacto das alterações climáticas em três zonas costeiras de Portugal. Estudo defende a aposta em "mediadores externos" para fazerem a ponte entre a população e as instituições.

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Zona da Vagueira, em Aveiro, é uma das mais problemáticas em termos de erosão costeira Paulo Pimenta/Arquivo

Nos últimos 50 anos, a urbanização dos terrenos junto à orla costeira portuguesa aumentou mais de 300%. A população cresceu quase para o dobro mas mesmo assim há casas a mais: pelo menos uma em cada dez está actualmente desocupada. Estes dados constam de um estudo que vai ser apresentado nesta quarta-feira em Lisboa, realizado no âmbito do projecto Change, que analisou os impactos sociais e ambientais das alterações climáticas nas zonas costeiras em Portugal.

O projecto, que envolveu investigadores do ICS e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, permitiu fazer um levantamento das diversas políticas públicas para o litoral ao longo dos últimos anos e caracterizar as “dimensões sociais da crise costeira”, traçando cenários sobre os previsíveis impactos das alterações climáticas na costa portuguesa.

Coordenado por Luísa Schmidt, do Instituto de Ciências Sociais (ICS), o estudo revela que quem vive junto à costa quer participar na definição de medidas que resolvam o problema da erosão costeira, que tanto se agravou neste Inverno sobretudo no Norte e Centro do país. No entanto, a população desconfia das instituições. Porquê? Por um lado, a forma como lhes chega a informação – através de editais ou anúncios de jornal – é demasiado complexa. Além disso, "de cada vez que muda o Governo há uma mudança na forma de pensar o litoral”, responde a investigadora.

Segundo o levantamento feito para o projecto Change - Mudanças Climáticas, Costeiras e Sociais, são mais de 80 as entidades responsáveis pela gestão da orla costeira em Portugal, sem contar com municípios e juntas de freguesia. Uma das consequências é a  “sobreposição de planos”, que deixam muitas vezes de fora a opinião de quem mora junto à costa. Segundo o estudo, os níveis de participação em processos de discussão pública dos planos para os troços de litoral mais problemáticos estão abaixo dos 5%. “Mais de metade dos inquiridos considera que a actual gestão não tem sido capaz de resolver os problemas costeiros”, nota.

“Já se instalou [na população] uma desconfiança generalizada nas instituições, é preciso uma mediação externa feita por entidades independentes”, acrescenta Luísa Schmidt, defendendo a criação de equipas multidisciplinares, saídas das universidades, que estejam no terreno para fazer a ponte entre as duas partes.

“O litoral precisa de medidas de curto prazo mas de políticas de longo alcance, e isso requer um processo de mudança que garanta a ligação entre ambas”, afirma. Essa mudança depende de um “compromisso institucional” que envolva universidades, Governo, autarquias, organizações-não-governamentais e instâncias comunitárias, defende.

Três zonas problemáticas
Neste estudo foram ouvidos diversos grupos sociais que são de alguma forma afectados pela erosão costeira: pessoas com casas nas zonas de risco, pescadores, hoteleiros, surfistas e também a administração pública. Foram analisados problemas ambientais e sociais em três zonas costeiras com grande risco de erosão, onde existem áreas construídas junto à praia – Barra/Vagueira (Aveiro), Costa da Caparica/Fonte da Telha (Almada) e Quarteira/Vale de Lobo (Loulé). O trabalho inclui mapas de vulnerabilidade traçados pela equipa do especialista em alterações climáticas Filipe Duarte Santos, com três horizontes temporais: 2025, 2050 e 2100.

“A situação mais grave está no Norte”, diz Luísa Schmidt. “A Barra/Vagueira é uma zona muito exposta porque tem de um lado o mar e do outro lado a ria [de Aveiro]. É mesmo uma das zonas mais complicadas até a nível europeu”, explica.

A investigadora realça o "paradoxo" de um país que tem uma linha costeira tão instável, mas onde se instalou tanta gente e tantas actividades. Analisando os diversos Censos, em particular os dados sobre as freguesias costeiras, a equipa concluiu que entre 1960 e 2011 a população residente junto à costa cresceu 77,46% - ou seja, de 684.453 habitantes passou para 1.214.639. No mesmo período a urbanização dos terrenos cresceu 309% (de 209.067 para 855.097 alojamentos). Destes, 96.206 estão actualmente vazios. “Mais do que uma [1,25] em cada dez casas nas freguesias litorais encontra-se desocupada, sem contar com as residências de segunda habitação que se enquadram nos alojamentos ocupados”, afirma a coordenadora do projecto Change.

Embora o país tenha vários instrumentos legais para ordenar estas zonas, como os planos de ordenamento da orla costeira, estes "não foram cumpridos". “As instituições nem sequer falam entre si”, critica Luísa Schmidt, sublinhando a necessidade dos "mediadores externos", nos quais a população confia.

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