"Envelhecimento da população coloca muitos desafios a Portugal"

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Francesca Colombo apresenta o estudo em Lisboa nesta quarta-feira DR

“Portugal é um exemplo para outros países”, defende Francesca Colombo, a chefe da Divisão de Saúde da OCDE que esta quarta-feira apresenta o estudo feito a pedido do Ministério da Saúde.Conseguiu "manter o foco nas reformas, num contexto de poucos recursos". Mas é preciso apostar nos cuidados de saúde primários e nos serviços baseados na comunidade, diz.

O retrato que resulta da revisão que fazem da qualidade dos cuidados de saúde de Portugal é misto, há indicadores positivos e negativos. Qual é o seu balanço?
O que é importante enfatizar é que Portugal conseguiu manter o foco na qualidade dos cuidados num contexto de dificuldades financeiras. Claro que há áreas para melhorar, mas quero sublinhar que o nosso retrato é muito positivo. Estamos muito bem impressionados com algumas das reformas levadas a cabo em Portugal.

No relatório frisam, porém, que são muitos os desafios que se colocam ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Nos cuidados de saúde primários, mostram-se mesmo preocupados com a actual disparidade no atendimento e propõem mudanças, tal como nos hospitais. Não é assim?
O que se deve sublinhar, primeiro, é que Portugal enfrenta um rápido envelhecimento da população. A proporção de idosos é já uma das mais altas entre a população da OCDE e, se olharmos para as projecções, percebemos que a percentagem de pessoas com mais de 65 anos vai duplicar e com mais de 80 vai mais do que duplicar, em 2050. Ora isto coloca grandes desafios, particularmente nos cuidados de saúde primários, por causa do peso das doenças crónicas. Portugal tem a segunda maior prevalência de diabetes, a seguir ao do México [na OCDE] e a taxa de obesidade infantil está a aumentar. A criação das USF teve uma importância dramática e esta unidades cobrem hoje metade da população, este é um modelo voluntário de sucesso. 

Mas o problema é que está actualmente confinado a metade da  população, como referem na revisão, com a agravante de, nos últimos tempos, o ritmo de abertura ter quase parado. Isto não lhe parece uma contradição?
Destacamos a disparidade [no atendimento dos cidadãos nos centros de saúde] e consideramos que é um desafio para o futuro. Dez anos [da reforma dos cuidados de saúde primários]  é muito tempo e, agora, o apelo que fazemos é que se fixem metas mais ambiciosas, por exemplo estabelecendo uma data [para o alargamento do modelo das USF a todos os centros de saúde]. Mas outro ponto importante [do relatório] é a força de trabalho. Em Portugal o número de enfermeiros é muito baixo.  É preciso assegurar que os profissionais estão a trabalhar em equipa e pensar numa redefinição da distribuição de tarefas, o que envolve não  só médicos e enfermeiros. Isto é particularmente importante num contexto de falta de meios e de recursos humanos.

Para envolver os profissionais nestas reformas não são necessários mais incentivos financeiros?
Em dois terços dos países da OCDE encontramos alguma forma de incentivos. Mas, se os incentivos forem muito altos, os profissionais concentram a sua actividade nesse aspecto e esquecem o resto, o que é muito perigoso em saúde.  Penso que os objectivos e os incentivos devem ir mudando, não devem ser fixos, até para irem ajudando a mudar práticas. Para dar um exemplo, em Portugal deveria haver incentivos para que as cesarianas diminuíssem.

Por que motivo é que neste relatório não se faz uma avaliação do impacto da crise económica e social nos cuidados de saúde em Portugal?
Não era esse  o nosso objectivo. Mas há um capítulo [da revisão] em que se demonstra que Portugal conseguiu manter o foco nas reformas, num contexto de poucos recursos. Portugal é um exemplo para outros países, saiu-se incrivelmente bem num contexto de dificuldades. Num contexto de poucos recursos, é preciso fazer escolhas.

Não lhe parece então paradoxal que os idosos portugueses sejam aqueles que reportam um pior estado de saúde no conjunto dos países da OCDE?
Isso pode resultar da forma como os inquéritos são feitos. Mas Portugal está a enfrentar um rápido envelhecimento da população. Por isso defendemos que se deve apostar nos cuidados de saúde continuados e de longa duração e garantir que há coordenação. Também é muito importante que os procedimentos clínicos, além de continuamente melhorados, sejam estandardizados. Portugal tem bons sistemas de informação e isso pode ser usado para se obter um retrato e para  se avaliar o impacto das reformas com regularidade .

A resposta dos serviços de urgência à vaga de frio e de gripe do último Inverno demonstrou que há muitos problemas. O vosso estudo foi feito antes, em Junho de 2014, mas qual é sua opinião sobre os serviços de urgência em Portugal?
Os serviços de urgência são muitas vezes o espelho do que é necessário mudar. Por isso enfatizamos a necessidade de investir nos cuidados de saúde primários e nos serviços baseados na comunidade. Há exemplos de respostas criadas noutros países, com organizações que funcionam 24 horas, linhas telefónicas para a orientação dos doentes. Há países que criaram serviços intermédios, como a Dinamarca. Há exemplos que podem ser seguidos.

 

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