Surto de legionella fecha fontes, piscinas e torres de refrigeração de fábricas em Vila Franca de Xira

Número de casos confirmados eleva-se para 160 e pode continuar a aumentar. Há quatro mortes confirmadas. Ministro da Saúde fala em situação “verdadeiramente anormal”.

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Há doentes internados em vários hospitais da Grande Lisboa Rui Gaudêncio

A inquietação sente-se em Vila Franca de Xira. Até ao final do dia deste domingo continuava por identificar o foco de infecção. Há várias equipas no terreno a tentar descobrir a origem deste que é o maior surto de sempre de bactéria legionella. Com base nas análises preliminares, foram encerradas as torres de refrigeração das principais fábricas das três freguesias do sul do concelho de Vila Franca de Xira.

Os números não têm parado de crescer desde que foram diagnosticados os primeiros casos deste tipo de pneumonia, na sexta-feira, em Vila Franca de Xira. A última actualização feita pela Direcção Geral-da Saúde (DGS), eram já 20h30, apontava para 180 casos notificados, 160 dos quais confirmados. Havia então quatro óbitos atestados, três homens e uma mulher, todos com mais de 30 anos. Uma quinta morte aguardava confirmação laboratorial.

No final de uma reunião de emergência de quase cinco horas, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, quis vir a público explicar o que classificou de situação “verdadeiramente anormal”. O surto já atingiu uma dimensão invulgar, “quer em termos europeus quer em termos mundiais”. E o número de casos pode aumentar nas próximas horas ou mesmo nos próximos dias.

No entender do ministro, o Hospital de Vila Franca de Xira “tem respondido bem”. Tem tido a preocupação de transferir doentes para outras unidades da Grande Lisboa (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Hospital Amadora-Sintra, Hospital das Descobertas e Hospital Beatriz Ângelo, em Loures) para que haja espaço para quem vai chegando. “Já houve pessoas que claramente melhoraram”, contrapôs.

Actuação em três frentes
O grupo de coordenação está a actuar em três frentes para travar a bactéria, que se transmite por via aérea (respiratória), através da inalação de gotículas de água. A par do diagnóstico de tratamento de doentes, decorrem as investigações destinadas a detectar a origem da infecção e as acções de prevenção. 

É nas freguesias de Vialonga, Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa que se regista a maior parte dos casos até agora conhecidos. Há quatro equipas da inspecção do Ordenamento a tentar fazer uma sequência de casos. Avaliam empresas, mas também habitações. Foram já identificadas várias ruas com concentração de doentes.

A título preventivo, as autoridades não se limitaram a encerrar as torres de refrigeração das fábricas — para desinfecção e desincrustação. Reforçaram o cloro na água, desactivaram fontes de ornamentação e solicitaram novas colheitas em novos pontos de fornecimento de água e de torres de refrigeração.

Aquelas diligências foram tomadas com base nas análises preliminares do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Assentam, conforme explicou por escrito a DGS, em “dados fornecidos pela georreferenciação dos casos ocorridos” nas três freguesias mais afectadas pela bactéria.

O Instituto Ricardo Jorge tem analisado águas e torres de refrigeração, mas os resultados não são conclusivos. Será preciso aguardar "entre cinco a dez dias" para obter dados mais fiáveis. "Não podemos esperar estes cinco a dez dias para tomar medidas, enquanto temos pessoas que podem estar a ser contagiadas", afirmou.

A EPAL, que distribui a água para os concelhos da Grande Lisboa, realizou análises que não indicaram qualquer problema na qualidade da água. Delegados de Saúde Pública da região de Lisboa passaram o dia a fazer vistorias em hotéis e grandes superfícies, incluindo centros comerciais.

Câmara fecha piscinas e balneários
A Direcção-Geral da Saúde entende que não se justifica fechar escolas. O presidente da câmara decidiu encerrar piscinas e balneários, uma vez que a bactéria se desenvolve em meio aquático e a infecção ocorre por inalação de gotículas contaminadas e não pela ingestão de água.

O presidente da junta de Vialonga, José Gomes (CDU), adiantou à agência Lusa que as aulas de Educação Física na freguesia poderão ser suspensas: "Propus ao Agrupamento de Escolas de Vialonga que se faça uma reunião para discutir este assunto". Tem recebido muitas chamadas de pessoas preocupadas. “Enquanto não for descoberta a origem, as pessoas vão continuar com dúvidas."

"O telefone não para de tocar”, comentou à Lusa o presidente da União de Freguesias da Póvoa de Santa Iria e Forte da Casa. “Temos utilizado a nossa página do Facebook para colocar todos os comunicados que nos chegam e para que a população seja o mais informada possível", prosseguiu Jorge Ribeiro (PS). "Não vale a pena entrar em pânico. Temos acompanhado a situação com preocupação e expectativa, mas tomamos todas as diligências que nos competiam."

Vila Franca à espera “que se esclareça tudo”
Sobrava confusão sobre a forma de contaminação. Num dos quatro supermercados de Vialonga, os funcionários recordavam este domingo que no fim da tarde de sexta-feira a procura de água engarrafada fizera desaparecer o stock num instante. “Tivemos que pedir um camião e água de urgência”, explicou uma funcionária, frisando que desde então a procura de água acalmou.

Horácio Barbosa, motorista de pesados de 45 anos, residente em Vialonga, deu o seu contributo. “Vimos muita gente a levar água e julgámos que era alguma promoção. Quando chegámos a casa, vimos as notícias e fomos também comprar água. Não tínhamos a informação necessária. Só no sábado é que começámos a perceber que [a transmissão da bactéria] não tinha a ver com a ingestão de água”, salientou. Julga agora que há preocupação, mas que depois, ao saberem como é que a bactéria se propaga, as pessoas ficaram mais tranquilas.

Mário e Maria José Duval, um casal de reformados de Vialonga, mudaram apenas algumas rotinas. “Já bebíamos habitualmente água engarrafada. A única coisa que estamos a fazer é a aquecer água para nos lavarmos. Lavamo-nos com água morna e não com água quente, como explicou o senhor doutor na televisão”, refere Maria José. “A preocupação, agora, é que se esclareça tudo, para que as pessoas fiquem mais tranquilas”, acrescenta Mário Duval, de 76 anos.

Num comunicado distribuído neste domingo, a Direcção-Geral da Saúde voltou a deixar diversas recomendações à população: “Devem ser evitados, por agora, os duches, jacuzzi e hidromassagens, enquanto a fonte do problema não for identificada; as cabeças dos chuveiros devem ser desinfectadas por imersão em solução com lixívia, durante cerca de 30 minutos, uma vez por semana, como medida de precaução; nos termoacumuladores, a água deve estar regulada para temperaturas acima dos 75ºC.” A água da rede pública pode continuar a ser consumida, acrescenta a mesma nota.

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