Em Portugal há drones a mais e legislação a menos

A utilização de veículos aéreos não-tripulados para captar imagens é cada vez mais comum no país, por empresas, universidades ou simples curiosos.

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A utilização de drones está longe de se limitar ao meio militar Neff Conner/Flickr

O uso de drones para captação de imagens por parte das forças de segurança, de empresas privadas ou de cidadãos comuns é um dos assuntos mais discutidos pelas organizações de defesa dos direitos de privacidade nos EUA, mas em Portugal é uma questão que ainda nem sequer entrou na agenda dos legisladores.

De universidades a empresas, passando por curiosos, o uso de veículos aéreos não-tripulados é cada vez mais comum no país e não tem enquadramento legal.

Em fóruns na Internet sobre aeromodelismo ou no YouTube, por exemplo, são partilhados vídeos que deixam bem patente a capacidade intrusiva destes aparelhos, que podem ser adquiridos a fabricantes certificados, em sites de compra e venda ou construídos em casa.

Num desses vídeos, captados numa localidade dos arredores de Lisboa e publicado num fórum sobre aeromodelismo, a câmara capta imagens ao nível do solo, em espaços verdes de utilização pública, e acompanha um veículo cuja marca e modelo podem ser identificados. Um dos utilizadores do fórum chama a atenção para os riscos de se lançar estes aparelhos sobre áreas povoadas, mas as preocupações focam-se na segurança de pessoas e bens, no caso de se registar uma falha mecânica.

Ainda que estas imagens em particular possam não constituir uma violação dos direitos de imagem e de privacidade, são uma amostra do que é possível fazer com um pequeno aparelho, cuja utilização é descrita como “trivial” no mesmo fórum.

O termo drone (zangão) surge na maioria das vezes associado ao assassínio de suspeitos de terrorismo na zona de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão, mas a sua utilização está longe de se limitar a operações bélicas.

Dotados de câmaras de alta definição e visão nocturna, muitos destes aparelhos têm sido usados pelo FBI ou por corpos de polícia de vários estados norte-americanos para localizar suspeitos de crimes. Mas há uma variedade de modelos, mais simples, usados em produções de cinema, em reportagens jornalísticas, na entrega de medicamentos em zonas remotas e até mesmo por paparazzi.

Em Portugal, é conhecido o projecto Firemap, lançado pela Universidade do Minho para cartografar áreas ardidas nas florestas nacionais. Ricardo Alhandra, gerente de uma das quatro empresas envolvidas no projecto, a GeoAtributo, queixa-se do “vazio legal”. Em última análise, disse o responsável ao PÚBLICO, as forças de segurança podem apreender os veículos não-tripulados. Só é difícil que isso aconteça porque estão em causa aparelhos que, “a 100 metros de altura, a olho nu, dificilmente se podem ver”.

Outro dos problemas é a falta de seguro – os responsáveis do projecto Firemap ainda não encontraram em Portugal uma empresa que inclua nos seus pacotes o uso de drones, o que também está a dificultar a possível compra de equipamentos mais caros e sofisticados para fotografar, geo-referenciar e cartografar as áreas florestais ardidas no país.

Seja em projectos de investigação académica, seja para fins comerciais, o uso de drones em Portugal não parece levantar questões de privacidade a quem os opera. No caso do projecto Firemap, o sobrevoo é feito em áreas de floresta, mas empresas como a SkyEye são contratadas para filmar eventos que podem cruzar zonas urbanas. Entre os seus clientes estão estações de televisão e produtoras de cinema.

Contactado pelo PÚBLICO, o director da empresa, David Mota, também lamentou a falta de legislação, mas as questões relacionadas com potenciais violações de privacidade não estão no topo das preocupações. “Cumprir as normas de segurança, usar equipamentos testados e fiáveis e ter operadores com horas de voo suficientes” para que os aparelhos não ponham em risco a segurança de quem está no chão são as garantias. Ao contrário da GeoAtributo, a SkyEye diz ter seguro de responsabilidade civil, “que cobre as máquinas ou danos causados a terceiros”.

Quanto à necessidade de a actividade ser enquadrada legalmente, David Mota repete o que já tinha sido defendido pelos envolvidos no projecto lançado pela Universidade do Minho: “Sim, enquanto operador, tenho todo o interesse em que a legislação se esclareça.” Mas quando se levanta a questão da possível violação de privacidade, David Mota responde que a sua empresa não lança drones “sem propósito algum” – “Não vamos começar a voar numa praia, em pleno Verão.”

O responsável diz ter feito um pedido ao Instituto Nacional de Aviação Civil para a certificação da actividade em 2012, mas a resposta que lhe chegou revela a fase embrionária em que a questão se encontra em Portugal: “Ainda era cedo e não havia enquadramento legal.” Para além disso, diz David Mota, “as entidades que podiam fazer essa fiscalização também não têm enquadramento para fazê-la.”

Quanto às questões de privacidade, o responsável disse ao site Computerworld, em Março passado, que “é o contratante que tem de pedir autorização à Comissão Nacional de Protecção de Dados [CNPD]”. Contactada pelo PÚBLICO, a CNPD garantiu que nunca recebeu nenhum pedido de autorização para a recolha de imagens através de veículos aéreos não-tripulados.

Os alertas lançados em fóruns na Internet são também repetidos pelos responsáveis da GeoAtributo e da SkyEye, para quem esta questão só será debatida a fundo se um dia acontecer um acidente com consequências graves.

(Imagem: Neff Conner/Flickr)

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