Cuidados continuados com menos camas do que o previsto pelo Governo

Falhas na rede de cuidados continuados são um dos problemas apontados num estudo da Organização Mundial de Saúde e o Observatório Europeu sobre Sistemas e Políticas de Saúde apresentado nesta segunda-feira em Coimbra.

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O envelhecimento da população e o aparecimento de mais doenças exigem apoio especializado ou recuperação após a alta hospitalar Nuno Ferreira Santos

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados tinha em 2012 5911 camas e no final do ano passado 7160, o que significa que apenas teve um aumento de 1249 no período de dois anos. O valor ficou muito aquém das metas do Governo, numa área em que as necessidades continuam a crescer com o envelhecimento da população e o aparecimento de mais doenças que exigem apoio especializado ou recuperação após a alta hospitalar.

As lacunas neste sector são precisamente um dos problemas apontados no estudo O impacto da crise financeira no sistema de saúde e na saúde em Portugal, realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Observatório Europeu sobre Sistemas e Políticas de Saúde, e que será apresentado nesta segunda-feira na Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos. O trabalho foi concluído em 2013 e revelado pelo PÚBLICO em Janeiro, dando conta das críticas da OMS à degradação das condições em Portugal neste sector. Mas agora os autores levam a Coimbra, na primeira apresentação oficial, um conjunto de orientações associadas ao documento sobre o futuro das políticas de Saúde em Portugal.

“O nosso objectivo agora é trazer à luz elementos que actualizem o estudo, mas fundamentalmente olhar para o futuro e dizer o que aprendemos. Tivemos uma fase europeia que, em termos simples, podemos denominar de um certo absolutismo financeiro. A agenda financeira dominou todas as outras e esse tipo de modelo não é sustentável”, explicou ao PÚBLICO o presidente da Fundação para a Saúde, Constantino Sakellarides, um dos autores do estudo.

Sakellarides, que também foi director-geral da Saúde e é professor da Escola Nacional de Saúde Pública considera que em termos europeus já se nota um recuo nas políticas, mas alerta que a transição não pode ser lenta ou continuaremos a assistir a um agravamento de indicadores relativos por exemplo à saúde mental, à pobreza, a dificuldades de acesso a cuidados de saúde e a problemas nos cuidados primários e continuados. “Isto só se resolve pondo a Saúde na agenda e tentando antecipar os efeitos dos dois cenários, de uma transição retardada ou acelerada”, defende, lembrando que as políticas futuras têm de colocar o bem-estar no centro.

Sobre os cuidados continuados em concreto, Sakellarides reconhece que não há capacidade financeira para responder com camas a todas as necessidades. Insiste, por isso, na importância de se valorizarem os “cuidadores informais”, que estão a perder também porque estão a emigrar, alerta. “Se os jovens se vão embora, o envelhecimento e o empobrecimento são agravados e aumentam as necessidades de cuidados continuados que corroem essas infra-estruturas”, alerta. “As instituições europeias não aceitam que, uma vez cumprido religiosamente o programa de ajustamento, ele não tenha bons resultados e há um problema sério. É preciso sair deste ciclo vicioso”, remata, apelando a um acompanhamento mais próximo dos efeitos das medidas.

Revisão de metas
O tema foi também levantado pelo Bloco de Esquerda ao Parlamento na passada quarta-feira, durante a comissão de Saúde que ouviu o ministro Paulo Macedo. A deputada Helena Pinto lembrou que o Governo prometeu abrir 2222 camas em 2012 e que disponibilizou apenas 200. Em 2013 foram também anunciadas 1100 e só 800 foram concretizadas.

O número de doentes aumentou de 20.137 admissões em 2012 para 25.009 no ano passado, de acordo com os dados da Administração Central do Sistema de Saúde enviados ao PÚBLICO. No que diz respeito a altas, o número também cresceu de 19.033 para 24.737 nos mesmos anos em análise. A demora no processo obrigou a uma revisão das metas iniciais da rede para 2016, que foram alteradas ainda em 2012, de 15 mil camas para pouco mais de 11 mil. Porém, ao ritmo que tem vindo a ser seguido, o objectivo é praticamente impossível de atingir em dois anos.

As falhas na rede de cuidados continuados já foram referidas em vários relatórios. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em 2013 alertou que Portugal é, depois da Grécia, o país que menos dinheiro público gasta nesta área, e notou que só as camas destinadas à convalescença são pagas pelo Ministério da Saúde. As restantes, integradas nas unidades de média duração e de longa duração, também são financiadas pela tutela, mas há uma parte paga pelo próprio utente em função dos rendimentos. Apesar da falta generalizada de camas que engrossa as listas de espera, existem assimetrias significativas. O Alentejo é a zona do país com maior cobertura global e as maiores carências estão na região de Lisboa e Vale do Tejo.

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