Em debate sobre pobreza, Mota Soares diz que "Estado social está mais forte”

Oposição não tem dúvidas: os mais recentes dados do INE mostram falhanço do combate à pobreza. Ministro da Solidariedade fez balanço e disse que os contratos locais de desenvolvimento social, que movimentarão 60 milhões de euros até 2020, serão das medidas com "mais expressão" na resolução do problema.

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Nuno Ferreira Santos

Arrancou algo timidamente — “Se não houver mais inscrições encerro o debate” chegou a ameaçar a presidente da Assembleia da República dirigindo-se aos deputados —, depois foi animando. Contudo, nesta quinta-feira no Parlamento, uma pergunta ficou sem resposta: face aos mais recentes dados sobre pobreza em Portugal, o Governo mantém o plano de cortar 100 milhões de euros nas prestações sociais não contributivas? A pergunta foi feita por alguns deputados da oposição, numa altura em que o ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social já não dispunha de tempo para responder. Antes, o governante tinha assegurado: “Temos um Estado social mais forte no combate à pobreza.”

O debate foi pedido pelo PCP depois de a 30 de Janeiro o Instituto Nacional de Estatística (INE) ter divulgado que 19,5% da população vivia em 2013 com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, tendo em conta já o efeito das transferências sociais (como pensões e outras prestações). Os números mais recentes da pobreza no país mostravam assim um regresso a níveis de há dez anos: em 2004, a taxa de pobreza era de 19,4%; em 2005 baixava para 18,5%; em 2006, para 18,1%. Cinco anos depois, 2011, estava nos 17,9% e, depois, agravou-se de novo.

O PCP queria explicações do Executivo. Na primeira intervenção da tarde, o deputado comunista, Jorge Machado, considerou que os números do INE provam “que este Governo PSD/CDS está a escrever uma das páginas mais negras da história do país e a provocar o pior agravamento da pobreza desde o fascismo”.

E prosseguiu: “Se se corrigir o efeito do abaixamento generalizado dos rendimentos dos portugueses, então chegamos à conclusão que estão efectivamente em risco de pobreza 25,9% dos portugueses, ou seja, cerca de 2 milhões e 700 mil.”

Seguiu-se Artur Rêgo, do CDS-PP: “Recebemos um país à beira da ruptura”, sublinhou. Recusando tratar o tema de "forma propagandística", destacou algumas medidas adoptadas para proteger os mais pobres, como as tarifas sociais de energia ou o alargamento do subsídio de desemprego a pessoas que dantes não o tinham, como os trabalhadores independentes.

E garantiu que a pobreza já estava a aumentar muito antes deste Governo tomar posse, o que foi contestado por Sónia Fertuzinhos (PS). “A afirmação do senhor deputado é falsa.” A deputada pediu mesmo que se distribuíssem pelas bancadas “os números da Pordata”.

Artur Rêgo esclareceu que falava das taxas de pobreza contabilizadas antes das transferências sociais do Estado.

Os dados são estes, segundo a citada Pordata: em 2007 e 2008 a percentagem da população com rendimentos abaixo do limiar de pobreza, sem contabilizar nem pensões nem qualquer outra prestação como abonos ou subsídio de desemprego, era de 41,5%; em 2009, subiu para 43,4%; em 2010, baixou para 42,5%; em 2011, subiu de novo para 45,4%; em 2012, para 46,9% e em 2013, para 47,8%.

O ministro Mota Soares começou a sua intervenção explicando que “desde o primeiro momento” em que o Governo tomou posse sabia que “o ajustamento” iria ter “um impacto económico e social sobre o país, sobre os portugueses”. Pelo que a preocupação foi “proteger de dificuldades aqueles que à crise estavam mais expostos”.

Entre as respostas encontradas, o ministro destacou o Programa de Emergência Social; o aumento das pensões mais baixas (“a um milhão de portugueses que recebem pensões mais baixas fizemos questão de aumentar os rendimentos em 6,2%; um milhão de pensionistas que em 2015 vão ter um aumento de mais 220 euros no seu rendimento anual face a 2011”); a criação do Banco de Medicamentos (“que já permitiu a doação de cerca de dois milhões de embalagens”) e a rede de cantinas sociais (“passámos de 60 para 850 cantinas”).

Mota Soares acha que a situação, no que à pobreza diz respeito, já melhorou desde 2013, ano a que se referem os dados do INE, sublinhado, por exemplo, que há hoje menos “234 mil portugueses no desemprego do que em Janeiro de 2013”. Ou seja, menos expostos ao empobrecimento.

Mas acredita que melhorará mais. Uma das medidas que nos próximos anos vai ter “mais expressão” no combate à pobreza, disse, será “os contratos locais de desenvolvimento social”  — “contratos firmados entre o Estado, as autarquias locais e instituições sociais com projectos desenhados à medida da realidade local” para combater a “pobreza, em especial a infantil”, e estimular “a criação de emprego”.

Estes contratos (cerca de 200 serão celebrados) avançarão até 2020 e movimentarão 60 milhões de euros, explicou. São 60 milhões dos dois mil milhões de euros que, no âmbito do próximo quadro de fundos europeus, se vão dirigir ao emprego e combate à pobreza e exclusão social.

"Desvalorizar os números"
A realidade é vista com diferentes olhos conforme as bancadas parlamentares. Miguel Laranjeiro, do PS, deu o exemplo dos cortes no Complemento Solidário para Idosos — “À medida que cortam, o risco de pobreza entre os idosos aumenta.”

“Que país é este que não ajuda quem mais precisa?”, questionou ainda o deputado.

Respondeu Adão Silva, do PSD: “É um país notável. Um país que já está numa situação de crescimento económico, que está a combater o desemprego.”

Mota Soares acredita, igualmente, que o Estado está hoje mais forte no combate à pobreza. E deu um exemplo: o impacto das transferência sociais, que não as pensões, na redução do risco de pobreza em 2013 foi maior do que o registado em 2011 em “cerca de 4 pontos percentuais”. Para além disso, “há uma parceria sem precedentes” com as instituições de solidariedade social.

Sónia Fertuzinhos indignou-se com o facto do ministro relativizar o cenário retrato pelo INE: “Um ministro da Solidariedade digno desse nome nunca poderia desvalorizar os números.”

A deputada foi apenas uma das que questionou o ministro: “Ainda pretende manter os cortes de 100 milhões de euros nas prestações substitutivas do rendimento do trabalho” em 2015?

Que desigualdade?
Para Sónia Fertuzinhos, o que os números do INE mostram é que “o Programa de Emergência Social falhou” bem como “o objectivo de aumentar as pensões mínimas à custa de cortes no Complemento Solidário para Idosos”. Isto porque as pensões que aumentaram estão ainda assim muito abaixo do limiar de pobreza (que está calculado em 411 euros mensais). “Os aumentos nunca teriam efeitos na redução da pobreza, quanto muito teriam na intensidade.”

Mariana Aiveca, do BE, rematou, dirigindo-se ao ministro: “Qualquer plano que venha aqui apresentar é o plano da caridadezinha.” E sublinhou que “não há como sair do empobrecimento” quando a média salarial dos jovens é de 515 euros — “E estamos a falar da geração mais qualificada.”

Para além da pobreza e do desemprego, falou-se também de desigualdade de distribuição de rendimentos. E, uma vez mais, a leitura da realidade foi bem diferente conforme a bancada parlamentar.

José Luís Ferreira, dos Verdes, citou números do INE, de novo, que mostram que, em 2011, “os 10% mais ricos tinham rendimentos 9,4 vezes superiores aos 10% mais pobres”. Já em 2013, “os 10% mais ricos” tinham 11,1 vezes mais do que os 10% mais pobres.

Também para os comunistas, que recordaram esses mesmos números do INE, fica provado que não é só a pobreza que aumenta, é também, “ano após ano, a injustiça na distribuição da riqueza”. Jorge Machado: “Em 2013, no mesmo ano em que a pobreza cresceu significativamente, os principais grupos económicos registaram lucros obscenos.”

Adão Silva apresentou outra visão: “Se houve mais pobreza não houve pior destribuição.”

O social-democrata explicou, quando foi proposto pela oposição que se distribuísse mais um documento pelas bancadas (a página do relatório do INE com os dados da desigualdade), que não tendo nenhum documento para distribuir, tinha lido o relatório do FMI que mostrava que foram os “20% mais ricos” do país que mais pagaram a crise.

O estudo citado por Adão Silva, publicado em Março do ano passado, defendia que Portugal tinha sido um dos países em que a austeridade mais tinha poupado os cidadãos de menores rendimentos, o que fez relançar o debate sobre as desigualdades, já que os indicadores então disponíveis no INE mostravam dados aparentemente contraditórios: se, por um lado, o índice de Gini — o indicador mais usado para medir a desigualdade dos rendimentos — tinha diminuído em 2012 face a 2011, outros indicadores, como a diferença de rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, tinham voltado a alargar-se.

Em 2013, sabe-se agora, ambos pioram.

Notícia actualizada às 19h35

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