Eles têm mais de 55 anos, são voluntários e vão partir em missão

A Fundação Calouste Gulbenkian criou um projecto que pretende conciliar voluntariado e envelhecimento activo.

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António Raposo, antigo oficial da marinha de guerra portuguesa, esteve cerca de um mês em Luanda Nuno Ferreira Santos
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Mafalda França, 65 anos, educadora de infância reformada, parte em Fevereiro para Moçambique Rui Gaudêncio

António Raposo, 62 anos, sempre disse que, quando chegasse à reforma, ia retribuir o que a vida lhe deu. Foi oficial da marinha de guerra portuguesa e acha que agora é que tem tempo para poder dar aos outros. Foi por isso que esteve cerca de um mês em Luanda, Angola, numa missão de voluntariado.

Em 2011, pôs-se a enviar emails para organizações nacionais e internacionais de voluntariado, mas nada: “Acho que não respondem por causa da idade, pensam que os mais velhos não têm capacidade”, diz. Finalmente soube do projecto Mais Valia da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), um programa de voluntariado para maiores de 55 anos nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Foi escolhido para ir para Luanda: durante cerca de um mês, trabalhou com a Fundação Fé e Cooperação, a fazer um levantamento das organizações sociais angolanas e das necessidades que têm ao nível da formação.

De acordo com a coordenadora da implementação do projecto, Elisa Santos, à excepção de algumas ordens religiosas, não haverá em Portugal muitas iniciativas vocacionadas para o voluntariado além-fronteiras para pessoas nesta faixa etária. A ideia é conciliar o voluntariado com o envelhecimento activo e potenciar “os conhecimentos profissionais, práticos, académicos e também a experiência de vida desta franja da população”.

O limite máximo das missões é de dois meses, uma vez que não se pretende “substituir os recursos locais” nem “criar dependências dos voluntários”. A ideia também não é ocupar potenciais empregos: as missões são curtas e têm objectivos “muito definidos, tendo quase um carácter cirúrgico”, nota Elisa Santos.

A selecção dos candidatos foi acompanhada por uma psicóloga e os voluntários ainda passam por uma fase de formação, na qual se abordam, entre outras, questões ligadas à cooperação e desenvolvimento, às relações interpessoais, à gestão de expectativas e à inserção em contextos diferentes. A bolsa já conta com 60 pessoas prontas para partir.

A directora do programa Parcerias para o Desenvolvimento da FCG, no qual está inserido o projecto Mais Valia, Maria Hermínia Cabral, diz que os voluntários com mais 55 anos têm “pujança”, “saber acumulado” e “um gosto imenso pela descoberta”: “Estão a devolver aquilo que a sociedade lhes deu”, diz.

É o caso de António Raposo: “Sempre tive como objectivo chegar à idade da reforma fisicamente em bom estado e dar o que a vida me proporcionou. Tive uma vida privilegiada, nada de especial, uma boa carreira profissional, que me realizou. Não tenho razão de queixa, tenho é razões para poder dar mais aos outros que eventualmente tenham menos”, nota.

Apesar de ter ficado em Luanda, conta que chegou “a fazer a barba com água que tirava do depósito da sanita”: “Foi uma enormíssima lição e experiência de vida. Para dar mais valor àquilo que temos. Vi pessoas a trabalhar sem condições nenhumas. Foi uma experiência que me tornou mais rico em termos espirituais e emocionais”, diz António Raposo.

“As pessoas também se testam a si. Chegam ao final da sua vida profissional e, quando pensam que já não há mais desafios, isto é um desafio”, nota Maria Hermínia Cabral.

Condições “precárias”
Mafalda França, 65 anos, educadora de infância reformada, é a próxima a partir na primeira semana de Fevereiro. Vai dois meses para Cuamba, Moçambique, com os Leigos para o Desenvolvimento colaborar no projecto Escolinhas do Niassa. O objectivo é trabalhar com monitores que estão integrados nestas Escolinhas, criadas para preparar as crianças em idade pré-escolar, com 5 e 6 anos, para uma melhor integração social e para que ganhem competências em diferentes aprendizagens escolares. Como não há educadores de infância, Mafalda França vai trabalhar directamente com os monitores, ao nível da formação pedagógica, e vai estar também em contacto com outros voluntários dos Leigos que já lá estão.

É a primeira vez que parte numa missão destas. Quer contribuir e na bagagem leva 35 anos de experiência profissional na área da educação. O bichinho de voluntariado sempre a acompanhou, mas só a partir do momento em que se reformou, há cinco anos, é que teve “disponibilidade em termos de tempo” para cumprir o desígnio. Em Lisboa, deixa os netos: “Mas os meus filhos são muito organizados e responsáveis e têm outros apoios. Parto com a consciência tranquila. Vão ficar bem. Aliás, eles têm incentivado que vá”.

Vai sem “receios nenhuns”: “Sei que as condições de instalação vão ser precárias, o Cuamba, [na província do] Niassa, é uma zona de Moçambique muito rural, pouco desenvolvida, mas não me faz qualquer tipo de impressão”, garante.

Até ao final de Março, deverão partir sete voluntários para Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe; até ao final do ano este número deverá chegar a 35.

Durante cerca de cinco meses, 364 pessoas candidataram-se. Destas, foram seleccionadas 129 para entrevistas e apenas 75 seguiram para formação. Pretende-se não defraudar as expectativas das instituições dos países em desenvolvimento nem as expectativas do próprio voluntário, porque estas missões não servem, diz Maria Hermínia Cabral, para “levantar a auto-estima nem receber obrigados”.

A maioria dos voluntários têm habilitações superiores: são, entre outros, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, professores universitários, artistas.

Os contratos realizados no âmbito destas missões são tripartidos – entre a FCG, a instituição de acolhimento e o voluntário. A FCG assegura viagem, seguros, despesas com medicamentos e vacinas, vistos e ainda uma pequena bolsa que varia entre os 200 e os 450 euros por mês. A instituição de acolhimento garante alojamento e alimentação. A maior parte das parcerias feitas pela FCG foram com organizações não-governamentais para o desenvolvimento portuguesas, embora possa haver casos de colaborações com outras entidades, como universidades, por exemplo.

Agora, Maria Hermínia Cabral espera que alguma instituição pegue no projecto: “Nós levamos muitas vezes para a frente projectos com carácter piloto, porque são ideias novas. A fundação tem essa capacidade de risco que utilizamos para projectos em que pomos grande esperança”.
 
 
 
 

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