Educação é a arma mais decisiva de que a Europa dispõe para se afirmar no mundo

Ainda hoje se assiste, em quase toda a Europa, a um avanço neoliberal que está a promover uma forte quebra de investimento na Educação.

Tendo conquistado o poder em meados do séc. XX, sobre os escombros de uma guerra fratricida, a social-democracia europeia foi a grande responsável por um avanço económico e social sem precedentes e pela extensão de direitos, antes impensáveis.

Contudo, a partir dos anos setenta, e como reação aos encargos crescentes dos novos “Estados Sociais”, o poder político foi sendo tomado pelos partidos da direita que assim lograram travar uma melhor redistribuição da riqueza e o alargamento e aprofundamento de direitos às classes mais desfavorecidas. Governada por forças liberais e conservadoras, é sem surpresa que ainda hoje se assiste, em quase toda a Europa, a um avanço neoliberal que, por razões ideológicas, está a promover uma forte quebra de investimento na Educação.

Por toda a parte vimos países a delapidar milhares de milhões de euros em ações ruinosas, enquanto alargam turmas, reduzem apoios pedagógicos e negam à escola pública os meios necessários para funcionar com dignidade, quando não financiam projetos privados sem qualquer utilidade ou mesmo concorrentes. E assim se tenta pôr fim a um período de ouro da nossa História, quando a Escola, em vez de reproduzir ou agravar as diferenças existentes, era a primeira linha do combate à desigualdade e à exclusão social.

No conceito da esquerda europeia, a escola pública deve estar na frente da integração na sociedade dos jovens em dificuldade, sendo sua obrigação procurar soluções diferenciadas para jovens com problemas e níveis diferentes. Até porque a Educação é a arma mais decisiva de que a Europa dispõe para se afirmar no mundo.

As estatísticas são, e serão cada vez mais, um importante instrumento para avaliar a formação dos alunos e para controlar a qualidade dos professores e das escolas. É, porém, através da execução de programas diferenciados, aplicáveis às distintas populações, que devemos melhorar os resultados. Nunca através de falsas soluções como sejam o aligeiramento dos programas, a facilidade nos exames ou revisão de classificações, tal como hoje acontece.

Interessa também promover uma vasta reflexão em torno dos programas escolares que, se não podem ser fixos, também não podem andar a mudar todos os anos, por falta de consenso político na fixação de conteúdos e na avaliação dos resultados, sendo ainda notórias lacunas em áreas como a saúde e a prevenção das doenças, a puericultura e a economia doméstica, entre outras. Em Portugal, há claramente graves carências em áreas que não exigem formação técnica. Ao contrário da tradição americana, proíbem-se mesmo as crianças de desempenhar pequenas funções e os jovens de frequentar locais de trabalho, numa confusão absurda entre trabalho voluntário e exploração de mão-de-obra infantil.

É pouco sábio o professor que só sabe da Escola. Ao longo dos milénios, nunca foram os colapsos da economia, mas sim a ausência de valores e de referenciais, que ditaram o declínio das civilizações. Porém, é uma evidência que não será possível cumprir qualquer programa educativo eficaz sem um maior desenvolvimento económico e um reforço no orçamento da Educação. Abro assim espaço para uma curta reflexão sobre a crise económica atual, cenário que prevalece, condicionando qualquer intervenção na área da Educação.

É hoje uma evidência que os problemas de Finanças Públicas, que afetam a periferia, acabaram por desencadear políticas de austeridade, que por sua vez induziram terríveis efeitos sistémicos em toda a Europa. São também claras as assimetrias de desenvolvimento, que não se radicam em questões históricas, mas sim nos maiores custos para se produzir riqueza e no afastamento dos centros de decisão, com nítido prejuízo dos países periféricos.

Os pilares da construção europeia assentam no consenso das decisões, na convergência entre as diversas regiões e na contenção dos nacionalismos. Para se aprofundar o projeto europeu, há que evitar intervenções paliativas e enfrentar os problemas globais da Europa, com uma vistas largas: os países excedentários devem investir nos deficitários; os juros das dívidas públicas, obviamente segundo regras firmes, terão mesmo de ser reduzidos para taxas insignificantes, assim se aliviando as preocupações dos países a desenvolver.

Soluções evidentes, mas que contrariam a prática atual: o centro da Europa impõe juros especulativos, promove investimentos nos BRICs que concorrem com a economia dos países periféricos e atrai os jovens portugueses sobredotados para o mercado de emprego, na Europa Central. E assim, por clamoroso erro estratégico, se corroem os pilares da construção da Europa.

Permitam que ainda recorde que se qualquer avanço tem de assentar em ideologias firmes e em economias sustentáveis, também nunca se deve esquecer a Ética. A este propósito, termino evocando a figura de José Mariano Gago, que foi um desses espíritos raros, capazes de desprezar os palcos da fama de que os anões tanto se servem para afirmar vaidades, para prestar vassalagens, para disputar territórios ou simplesmente para alimentar carreiras políticas ou profissionais. A vasta obra que em pouco tempo construiu, é prova cabal de que podemos vencer resistências e construir um mundo melhor, suportados apenas na coerência das ideias, numa coragem inquebrantável e numa ética irrepreensível, sem receio de afrontar os interesses pessoais e corporativos, sempre presentes. 

Resumo de uma comunicação apresentada no Encontro da União Internacional dos Professores e Educadores Socialistas, Social-democratas e Trabalhistas, realizado em Lisboa, na sede do PS, e cujo original vai ser publicado na revista da Internacional Socialista

Médico e candidato às eleições presidenciais

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