Educação, defesa, protecção civil

A nossa política de prevenção, ao nível da educação e da formação das pessoas e, em especial dos jovens, é desoladora.

1. Sei que a agenda política está preenchida, justa e certeiramente, com a situação da banca e com o complexo quadro financeiro em que vive o país. O governo socialista, com as ambiguidades do Ministro das Finanças e com a dependência dos caprichos da esquerda radical, tem contribuído para degradar uma situação já de si grave e delicada. Mas duas ocorrências da semana passada – uma natural e outra política – trouxeram ao meu leque de preocupações um tema a que sempre dediquei atenção. É um tema estrutural, com larga projecção no médio prazo, ligado a uma concepção integrada da educação, da defesa nacional e da protecção civil. Não sei porque o desconsideramos e desleixamos tanto; mas sei que, num destes dias, num dia amargo e triste, vamos arrepender-nos da incúria e do descaso a que o votamos.

2. As duas ocorrências a que me reporto são de natureza e de impacto muito diversos. A primeira é o terrível sismo que assolou a Itália central, destruiu Amatrice, matou quase 300 pessoas e vitimou muitas mais, seja em danos pessoais, seja em danos patrimoniais. Uma catástrofe natural desta dimensão suscita uma comoção fraterna e uma generosa onda de solidariedade. Mas, especialmente a nós, portugueses, que habitamos um território com um assinalável risco sísmico e com um historial trágico, devia também fazer-nos pensar. A segunda é a aprovação pelo Governo alemão de uma “nova” política de protecção civil, em que se recomenda o armazenamento doméstico de bens de primeira necessidade – alimentos, medicamentos, aparelhos de comunicação com autonomia, dinheiro vivo e afins – suficientes para sobreviver pelo menos dez dias. No quadro da polémica que este conjunto de directivas originou, nomeadamente por o relacionarem com a onda terrorista que se abateu sobre a Europa, há mesmo quem equacione uma reposição, em novos moldes, do serviço militar obrigatório.

3. Ouço dizer de há muito que Portugal dispõe de excelente legislação para a prevenção dos efeitos de um sismo de grau elevado, designadamente em matéria urbanística (planeamento, inserção territorial e edificação propriamente dita). Mas ouço também de dizer que o grau de respeito por essa legislação é francamente baixo e que, no caso de um terramoto, os efeitos seriam devastadores. Não possuo nem os conhecimentos nem a experiência prática para aquilatar do bem fundado desta última suspeição. Mas há uma coisa que sei e que sei bem: a nossa política de prevenção, ao nível da educação e da formação das pessoas e, em especial dos jovens, é desoladora. Há imensos riscos, provenientes de catástrofes naturais ou de acidentes ambientais e similares que podem ser evitados ou francamente minorados com programas simples de formação das pessoas em ambiente escolar ou de trabalho. Nunca compreendi por que razão a escola portuguesa renuncia a esta missão, que decerto seria das mais nobres que lhe incumbe exercer. Lembro-me sempre de, na minha instrução primária, haver todos os anos, um dia dedicado a uma acção da Prevenção Rodoviária Portuguesa. Era um dia inesquecível para as crianças, em que, não havendo aulas e num ambiente quase lúdico, apreendíamos os sinais de trânsito, as formas de atravessar a rua, o modo como devíamos comportar-nos dentro das viaturas ou – facto de importância transcendente naquela idade – quais os cuidados a ter quando andávamos de bicicleta. Uma acção destas valia por mil recomendações de pais e professores.

4. Nunca percebi por que bizarra singularidade não existe um dia, em cada escola, do primeiro ciclo do ensino básico até ao nível secundário, dedicado às regras elementares de comportamento de emergência em caso de sismo, de incêndio urbano, de inundação ou de fogo florestal. E já agora um outro dia com formação prática em matéria rodoviária, respeitante à veste de peão, de ciclista ou motociclista, de passageiro rodoviário ou de comboio e também de condutor. Esquece-se, aliás, que esta formação dada a estudantes, especialmente os de mais tenra idade, é facilmente passada aos pais, pois as crianças ensinam, avisam e até advertem frequentemente as respectivas famílias. Em vez de se andar tão aturdido com os conteúdos das disciplinas ou “proto-disciplinas” de educação cívica ou para a cidadania, a criação de dias “dedicados” a estas formações práticas, na área da defesa e protecção civil, teria, estou em crer, um enorme potencial de sucesso. E poderia facilmente estender-se a outras matérias como os primeiros socorros, a segurança em área balnear ou manual de procedimento em caso de atentado ou simplesmente em caso de roubo e por aí fora. De resto, o que vale para as escolas, poderia valer para as empresas, embora aí, por óbvias razões económicas, com outras limitações de tempo e de destinatários.

5. Muitos perguntarão, e com pertinência, como estruturar um programa tão ambicioso. Estou em crer que há várias vias possíveis. Uma é o recurso aos professores das próprias escolas, outra pode ser a utilização das forças armadas. Outra ainda, que podia ser ponderada, designadamente em função do surgimento de tantas novas ameaças, é a criação de um tempo de “serviço comunitário obrigatório”, extensivo a todos os jovens de ambos os sexos, com uma via militar e uma via cívica. Na via cívica, uma das missões do serviço comunitário poderia ser justamente a formação na área da protecção civil, da saúde e da segurança interna. Tenho exacta consciência de quão impopular seria esta solução, depois dos populismos fáceis, pacifismos oportunos e internacionalismos “pseudo-altruístas” a que se consagraram as juventudes partidárias. E, bem assim, do individualismo materialista ainda tão prevalecente nas sociedades ocidentais. Mas diante da insegurança que pauta as nossas sociedades de risco, não vejo porque não podemos, ao menos, abrir de novo, com serenidade e naturalmente sem ilusões seráficas, esta discussão…

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