E se os bombeiros tivessem melhores meios, mas para serem partilhados?

Entrevista a Richard de Neufville, investigador do projecto Fire-Engine, integrado no programa MIT Portugal.

Foto
Rui Gaudêncio

Richard de Neufville, 76 anos, professor do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) há 49 anos, é um dos investigadores do projecto Fire-Engine, integrado no programa MIT Portugal. O engenheiro participou no 1º Fórum de Sustentabilidade dedicado à defesa da floresta contra incêndios, organizado do grupo Portucel Soporcel. Na conversa com o PÚBLICO propõe uma nova organização baseada num investimento em melhor equipamento mas que pressupõe a partilha desses meios por várias corporações. Fala também, com optimismo, sobre o ensino superior e sobre o futuro de Portugal.

O que é que um engenheiro especializado na análise de sistemas traz à investigação do problema dos fogos florestais em Portugal?
A minha especialidade é a análise de como processos complicados funcionam. Esse é o meu contributo. Não sou um especialista nos fogos florestais. Estou associado essencialmente a três contributos: um é a dinâmica da interacção entre o desenvolvimento dos fogos e a resposta social.  Isto é: se houver muitos incêndios há muita pressão para acabar com eles e mais dinheiro gasto no combate e não o suficiente na prevenção. Outro é uma questão mais táctica: como distribuímos geograficamente o equipamento para o combate ampliado dos fogos, como camiões e auto-tanques. Trabalhando com colegas que conhecem os dados e os detalhes técnicos dos equipamentos pudemos demonstrar que há uma forma muito mais eficaz de distribuir e colocar os meios. E assim usá-los melhor.

Mas esse estudo não leva em consideração que a maior parte das organizações que combatem os fogos, as corporações de bombeiros, são associações de direito privado, o que torna difícil dividir equipamento que é propriedade de uma única corporação.
Percebo. A questão é se eles se conseguem organizar de forma colectiva para fazer um melhor trabalho. E a resposta é sim. Compreendo que há tradições e outros aspectos que fazem com que não seja difícil fazer essa alteração imediatamente. Mas isso não significa que não devemos tentar. Que não tentemos fazer melhor. Os incêndios florestais são um problema nacional e há financiamentos do Governo e da comunidade para ajudar. Deixe-me pôr o assunto desta maneira: quando vamos à Igreja dizem-nos para não pecar, para sermos bons. E todos sabemos que isso é difícil de concretizar. Mas mesmo assim precisamos de saber para onde ir e como fazê-lo. Compreendo que não é fácil fazer o que está certo, mas é bom saber como fazer melhor e trabalhar para isso.

Talvez devido a uma questão cultural, cada tem corporação quer ter o seu equipamento, mesmo quando este é caro e não muito usado.
Na região do Porto, que estudamos, o equipamento não era assim tão bom. Era velho, não era usado muitas vezes, por isso não se justificava a sua substituição e também não havia dinheiro para o fazer. Havia muitas corporações com muito equipamento, mas que não era o mais moderno nem o mais adequado. Uma das possibilidades é que com o correcto apoio do Governo possam ter melhor equipamento, mas terão que o partilhar às vezes. Podia haver três ou quatro brigadas que partilhavam esse equipamento, colocado num espaço comum. Isto precisa de tempo, não vai ser feito de um ano para o outro. Mas é a direcção correcta.

A forma como se distribui o dinheiro entre o combate e a prevenção é uma questão antiga.  Mas continua a haver mais investimento no combate. Descobriram que essa política pode trazer fogos mais intensos no futuro. Porquê?
Se não se fizer a prevenção, o material combustível vai-se acumulando na floresta e se não o retirarmos de lá, quando um fogo começar, por uma qualquer razão, tem mais combustível e será mais difícil de conter. Isto é um problema recorrente de gestão: tendemos a olhar para as coisas que estão a correr mal e esquecemos de como as prevenir. Se fizermos um bom trabalho na prevenção dos fogos, ninguém nos dá valor. Porque não aconteceu nada. As pessoas têm que perceber que é importante prevenir.

Mas são políticas pouco visíveis e que só dão resultados a longo prazo…
É pela mesma razão que damos vacinas às crianças. Preferimos prevenir as doenças, do que esperar que as crianças adoeçam e então tratarmos delas.

Os políticos têm que ser sensibilizados para apostar na prevenção?
Não é investir tudo na prevenção, mas equilibrar os gastos entre o combate e a prevenção. O importante é que o país perceba que a prevenção é uma forma importante de lidar com o problema. É nossa responsabilidade como comunidade garantir que coisas más não acontecem. Na mesma lógica da vacinação das crianças. Percebo que é excitante comprar novos equipamentos, como helicópteros, mas tem que haver uma abordagem equilibrada da questão. Isso é no melhor interesse da comunidade e do país. Toda a gente quer fazer o bem pela comunidade, apesar de a pressão ser para fazer coisas imediatas e parecer bem. Uma das funções dos media é fazer as pessoas perceber a importância do equilíbrio.

Os estudos em que participou concluem que investir todo o dinheiro disponível na prevenção também não dá bons resultados.
Não é possível alguém dizer que o equilíbrio correcto é 48% ou 33%. Não é um cálculo que se possa fazer com precisão. Mas o equilíbrio é importante, com uma aposta nos vários aspectos da prevenção. Devido à mediatização do problema dos fogos há uma pressão para colocar dinheiro no combate, mas é necessário um equilíbrio.

Os meios aéreos de combate aos fogos são responsáveis por uma grande fatia do que gastamos no combate. Nos grandes fogos há frequentemente uma pressão da população para que os meios aéreos sejam activados, mesmo quando não são úteis. Como vê isso?
Quando começamos a conversa disse que o assunto não é só táctico, envolve também uma dinâmica social. As pessoas reagem, é uma reacção muito natural que compreendo. Mas muitas vezes as pessoas não percebem que prevenir o problema é muito melhor do que lidar com as suas consequências. Eu prefiro verificar o estado dos meus pneus e ter a certeza que eles não me causam um acidente, do que ter um óptimo veículo para me desencarcerar, porque os pneus rebentaram e fui contra uma árvore. Se tiver um acidente claro que quero uma ambulância, mas prefiro não ter o acidente. O país precisa de uma parte de prevenção, nos locais indicados. A prevenção nos locais indicados pode substituir helicópteros.

Também estudaram o problema dos reacendimentos. O que concluíram?
Como há muitos fogos em simultâneo, há uma tendência para abandonar os fogos já controlados. As equipas pegam em todo o seu equipamento e vão combater outro fogo e o primeiro fogo começa outra vez. Os números são bastantes impressionantes. Na região do Porto, a que estudamos, houve um fogo que reacendeu 28 vezes. Isto é muito esforço desperdiçado. Entendo a pressão de dizer ‘há um fogo novo, vamos abandonar este’ mas se quisermos mesmo pôr fim ao incêndio temos que ter certeza que terminou. Caso contrário ele pode voltar e criar mais dificuldades. Há demasiados reacendimentos e os comandantes locais devem ser incentivados a olhar para isso. Para não serem forçados a abandonar um fogo, quando acham que a situação ainda não está resolvida. É preciso perceber que se eles tiverem de regressar, isso significa um desperdício grande de meios humanos e materiais, além de tempo. As pessoas têm que perceber que só porque não há grandes chamas, não quer dizer que o fogo esteja acabado.

“Temos que começar a ensinar as pessoas para um futuro que vai mudar”

Como é que um professor do MIT olha para o ensino superior em Portugal?
É excelente. Houve um legado do Estado Novo, que não foi a melhor coisa. E também uma tradição das universidades trabalhar de forma muito separada. Coimbra não trabalhava com o Técnico, que não trabalhava com o Porto. Uma das coisas que tem vindo a acontecer, em grande parte durante o tempo do ministro [Mariano] Gago, foi aumentar a colaboração entre universidades na área das engenharias e em áreas técnicas. E o MIT foi parte desse esforço. Ajudamos a criar programas conjuntos. E isso resultou numa considerável quantidade de inovação e educação universitária em tecnológica nos últimos sete ou oito anos.

Sabe que vivemos numa altura de crise, em que tivemos que reduzir o investimento público em muitas áreas. Faz sentido falar em fusão de universidades e acabar com cursos que com poucos alunos, adequando mais a oferta à procura?
Esse é um problema comum a muitos países. O interesse sobre algumas áreas sobe e desce, o ponto importante é que tem que haver flexibilidade no ensino. Eu, por exemplo, tirei o curso de engenharia civil. Faz parte dessa formação matemática, computadores, análise, mecânica… e essas habilitações podem ser utilizadas noutra área de conhecimento tecnológico. O ensino precisa de reconhecer e pode reconhecer – e o programa do MIT tentou trabalhar com os nossos colegas portugueses nesse sentido – a importância da flexibilidade. Se eu for para engenharia civil não tenho que construir pontes o resto da vida. Tenho uma série de habilitações que podem ser usadas noutra área. A faculdade pode focar o seu ensino na matemática, computadores, materiais… Esse é uma das formas de lidar com as mudanças na procura.

Isto deve ter um efeito na forma como os próprios cursos são construídos?
Em áreas muito técnicas como as engenharias, mas também noutras como a medicina ou outras, o que aprendemos hoje e o que vamos fazer daqui a 20 ou a 30 anos vai mudar de forma profunda. Temos que começar a ensinar as pessoas para um futuro que vai mudar. Temos de enfatizar o pensamento básico e as ideias. E perceber, que devido à tecnologia, à procura ou à sociedade, as pessoas daqui a 10, 15 ou 20 anos não estarão a fazer o que pensaram, na universidade, que iriam estar a fazer.

Que balanço faz do programa MIT Portugal?
Tem tido um sucesso substancial. Claro que há coisas que podíamos ter feito melhor. Trabalhar em conjunto tem sido muito positivo. Tenho apreciado muito trabalhar com os meus colegas. Tenho aprendido muito com eles. E penso que eu e os meus colegas no MIT também contribuímos. O facto de levarmos alguns estudantes e faculdades ao MIT por algum tempo foi muito útil no sentido de adicionar uma outra dimensão à educação de todos. Tem sido uma experiência muito positiva em que estou contente por ter participado e continuar a participar.

Quais foram as principais mais-valias para as universidades portuguesas?
Se olharmos para sete ou oito anos atrás, as universidades portuguesas tinham excelentes professores e materiais, mas não trabalhavam em conjunto e estavam voltadas muito para dentro. Eram uma comunidade muito pequena que não chegava lá fora. Hoje é verdadeiramente impressionante que as pessoas venham de todos os lugares para as universidades portuguesas, porque elas têm programas de colaboração importantes a uma escala global. Por exemplo, na área dos transportes, um sector que conheço aqui, a maior parte das aulas são dadas em vídeo para que os alunos possam ouvir a partir do Técnico, Coimbra…. Houve um aumento muito substancial da globalização e um aumento da capacidade porque as universidades funcionam mais como uma equipa. São mais visíveis internacionalmente e mais capazes colectivamente.

Muitos jovens altamente qualificados foram obrigados a emigrar por causa da crise, que efeito acha que isto pode ter no nosso futuro como país?
Tenho seguido os meus próprios estudantes e uma das minhas primeiras alunas do pós-doutoramento está a trabalhar em Londres. Ela é portuguesa e irá voltar. Não será uma perda definitiva para Portugal. Por outro lado ela agora faz parte de um grupo internacional de consultoria na sua área, o tipo de companhia que não existe em Portugal, onde ela será uma mais-valia numa escala maior. Vai correr tudo bem.

Então, acha que estes jovens vão voltar e terão uma experiência internacional como mais-valia?
Sem dúvida. Claro que haverá alguns que, porque são tão bons, – e isto é uma coisa positiva – serão recrutados a nível internacional. É também o reconhecimento das suas qualidades. Claro que todos desejávamos que houvesse actualmente mais oportunidades em Portugal. A crise não é uma coisa boa. Mas Portugal é um país notável. Há muitas coisas que precisam de ser feitas e serão feitas. Sou um optimista no longo prazo. Qualquer comunidade tem que investir na qualidade das suas crianças e das gerações futuras. E, se o fizer, alguns sairão por causa das grandes oportunidades. Acontece em qualquer sítio. É preciso ver que muita da indústria existente aqui era do Estado e talvez não fosse tão inovadora e atractiva para a próxima geração. Parte do que estamos a testemunhar é uma evolução nacional em muitos aspectos que provocam mudanças na indústria. As coisas estão a melhorar. Como outsider olho para Portugal com muita excitação quanto ao seu futuro.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários