E se 4% dos piores professores fossem afastados das escolas?

Eric Hanushek, especialista em Economia da Educação, convidado pela Gulbenkian, apresenta cálculos sobre o impacto que teria afastar os professores “menos eficazes”.

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Reduzir o tamanho das turmas terá pouco impacto na qualidade da educação, defende investigador de Stanford, nos EUA Enric Vives Rubio

Ordene-se todos os professores portugueses, do “mais eficaz” para o “menos eficaz”. “Depois pensem em substituir os menos eficazes por professores médios.” Não precisam de ser excepcionais, para o impacto ser grande. O desafio é do norte-americano Eric Hanushek, especialista em Economia da Educação, que esteve nesta segunda-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.

As contas estão feitas para países como os Estados Unidos ou a Inglaterra. E Hanushek apresentou vários gráficos: substituir apenas 4% dos professores “menos eficazes” — os “menos eficazes” de todos — significaria um ganho, em termos dos resultados dos estudantes de 15 anos, a Matemática e Ciências, que colocaria os Estados Unidos (que, em termos de performance dos alunos desta idade, não se tem afastado de Portugal) ao nível da Polónia. No ranking internacional das competências dos alunos, a Polónia está, como se verá à frente, bem acima quer de Portugal, quer dos Estados Unidos.

Um dos gráficos mostra mais: o impacto de afastar entre 6% e 10% dos professores “menos eficazes” colocaria o país deste investigador do Instituto Hoover, na Universidade de Stanford, ao nível da Finlândia, um dos que têm melhores resultados educativos do mundo (só atrás da Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura e Xangai).

E em Portugal, também seria assim como mostram os gráficos? Eric Hanushek sorri quando se lhe pergunta, no final da sessão na Gulbenkian. “Também em Portugal os professores são muito diferentes uns dos outros”, responde. Mas as contas apresentadas, diz, são apenas um “incentivo” para que se pense se não faria sentido saber, tal como nos Estados Unidos, na Inglaterra e noutros países, qual a composição do corpo docente, tendo "no pensamento" esta questão do impacto nos alunos.

E quais seriam os efeitos económicos da melhoria dos resultados dos alunos?

Mais exames
O norte-americano vale-se uma vez mais dos testes PISA (o estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico que regularmente avalia os conhecimentos e competências dos jovens de 15 anos, nomeadamente a Matemática e Ciências, e compara cerca de 60 países e regiões). Se Portugal conseguisse que os seus alunos atingissem, nos próximos 15 anos, mais 25 pontos, em média, nesses testes do que nas últimas duas avaliações internacionais, feitas em 2009 e 2012, aproximando-se assim dos resultados da Polónia, isso reflectir-se-ia numa “taxa de crescimento [do PIB] 0,5% mais alta a cada ano". E "0,5% é muito, a longo prazo”, diz o norte-americano.

Os trabalhos daquele que é considerado “um grande especialista em análise de desenvolvimento económico de questões educativas”, como o apresenta a Gulbenkian no programa da sua Conferência Internacional sobre Educação de 2015, que teve lugar nesta segunda-feira, têm sido bastante debatidos nos últimos anos, em vários países.

Eric Hanushek considera que a qualidade e eficácia dos professores deve ser avaliada através da análise da progressão do desempenho escolar dos seus estudantes e pelo “valor acrescentado” que introduzem.

Tem ainda defendido que a qualidade de quem ensina é mais importante do que o tamanho das turmas, por exemplo — na verdade, sustenta, se se reduzir o tamanho das turmas isso terá pouco impacto.

Para isso, na visão de Hanushek, é preciso, desde logo, ter sistemas educativos onde os alunos sejam avaliados com exames centralizados — para que se tenha noção do que sabem “à entrada de um ciclo de ensino e, depois, à saída do ciclo de ensino” — de forma a medir a eficácia dos professores. Sugestão para Portugal: “Manter e até aumentar o sistema de exames.”

Na Gulbenkian, sublinhou ainda a importância de valorizar os directores de escola, dando-lhes margem para escolher o corpo docente. “Se o salário dos directores não tiver a ver com o desempenho dos alunos eles não têm que se preocupar com a escolha dos professores. No México até se pode comprar o cargo de professor.”

Então e os outros factores que supostamente também influenciam a qualidade da educação — a precaridade laboral dos docentes ou a forma como são pagos, por exemplo? Foi a pergunta de uma das participantes na conferência. Resposta: “Se aumentarem os salários dos professores em Portugal vão ter 120 mil pessoas [número aproximado de docentes no ensino não superior público] a sorrir, mas os que não são eficazes vão continuar a dar aulas.”

E como já garantia numa entrevista ao PÚBLICO, em 2013 — feita a propósito da sua participação numa conferência do Ministério da Educação português —, Hanushek diz que “é difícil melhorar o desempenho de maus professores”.

Compromissos precisam-se
Hanushek é antes partidário dos “incentivos directos ao desempenho”, recompensando quem se sai melhor. E de uma maior autonomia dos estabelecimentos de ensino — que só pode existir se houver “prestação de contas”.

Regresso ao PISA. Nos cálculos do investigador, com base nos resultados das avaliações feitas em 2009 e 2012, ao nível das competências dos alunos a Matemática e Ciências, Portugal está em 30.º lugar, em 63 países/regiões. Os EUA estão em 28.º. A Polónia — um dos escolhidos para a comparação feita na Gulbenkian — em 12.º. E a Finlândia em 5.º.

Portugal tem melhorado, diz, mas mais é possível — e desejável já que “o crescimento económico está intimamente relacionado às competências da população”. Hanushek recomenda assim, ao país, que “continue” a promover a melhoria da qualidade das escolas, tarefa “que requere compromissos que durem algum tempo”.

Terminada a sua intervenção, seguiu-se uma mesa redonda com a cientista Maria de Sousa, a artista plástica Ângela Ferreira e o escritor Mário de Carvalho. Todos convidados a falar do seu percurso formativo. Mário de Carvalho lembrou um seu professor de inglês que tinha “uma pronuncia que não seria a de Oxford”, mas que conseguiu pôr os alunos, mesmo os mais fracos, “a ler textos complexos” e a “interessarem-se” pela disciplina e a melhorar as notas. “Tem-se instalado uma visão técnico-burocrática do ensino”, criticou o escritor, uma “obsessão pelas quantificações, os mapas, os gráficos”, quando “a cidadania é o conceito-chave”. E defendeu: “a nobre profissão de professor” deve ser “prestigiada”.

Na parte da tarde, Miguel St. Aubyn, catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, era um dos outros convidados. A ideia central da sua intervenção: “A educação e a formação em capital humano surgem, não tanto como causa imediata do crescimento [económico], mas como a sua condição necessária.”

Acrescentou, no final, um breve retrato dos professores portugueses — os tais que Mário de Carvalho quer ver “prestigiados” — e sintetizou assim o que se passa. “A percentagem de professores com menos de trinta anos diminuiu de 15% em 2000/2001 para 1,1% em 2013/14. Ou seja, não se encontram praticamente jovens professores na escola, com tudo o que isso significa na falta de renovação em termos das práticas científicas e pedagógicas. Um professor do ensino básico ou secundário ganhava, e média, um pouco menos de 2000 euros brutos em Outubro de 2014.” O tom com que termina não é o mais optimista. “No seu conjunto, esta caracterização da profissão, cada vez menos e mais velhos, sem possibilidade de progressão na carreira, sofrivelmente remunerados – faz temer pela evolução qualitativa do sistema educativo português.”

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