Dois terços dos professores das universidades privadas a recibos verdes

Precariedade é regra no ensino superior privado.

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Obrigação de comparecer no controlo quinzenal acaba a partir de Outubro Jorge Silva

Maioria dos docentes do superior privado é paga à hora, com valores que, em alguns casos, não passam dos cinco euros. Sindicato exige regime legal para docentes do privado à semelhança do que já existe no ensino público.

É o retrato de uma quase generalização dos contratos precários no ensino superior privado: mais de 75% dos docentes das universidades particulares não tem um vínculo estável e dois terços trabalham a recibo verde. Os dados são da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGGEC), mas não mostram o outro lado desta realidade. A maioria destes docentes é paga à hora por valores que, em alguns casos, não passam dos cinco euros. No sector público, o número de professores a recibos verdes é quase residual.

De acordo com os dados da DGEEC – que foram recolhidos no último inquérito anual aos docentes do ensino superior, feito em 2013 –, dos 8783 professores do ensino superior privado, cerca de metade (47,6%) estão a tempo parcial. Mas é quando se olha para o regime de vinculação dos docentes das universidades e politécnicos particulares, que se percebe a dimensão da precarização dos vínculos laborais no sector: mais de 60% dos docentes estão em regime de prestação de serviços (recibos verdes).

A estes 5300 professores, juntam-se outros 1333 com contratos de trabalho a termo certo, o que eleva para 75,5% do total de professores do ensino privado com vínculos precários. De resto, entre os docentes das universidades particulares não há mais do que 1431 docentes em todo o país com contrato de trabalho por tempo indeterminado.

Já nas universidades e politécnicos da rede pública há apenas 241 professores (menos de 1% do total) a trabalharem a recibos verdes. Ainda assim, nos últimos anos aumentou o número de professores com Contratos de Trabalho em Funções Públicas e termo certo que são hoje cerca de 40% do total.

Nos últimos anos, têm sido muitos os professores a deixar de dar aulas no ensino público em virtude dos cortes no financiamento das instituições por parte do Estado. Em 2012, o Instituto de Emprego e Formação Profissional reportava um aumento de 151% do desemprego entre docentes. O ensino superior foi o principal responsável por este resultado, sobretudo por via da não renovação de contratos a termo e dispensa de professores convidados pelas instituições públicas.

“Nunca ninguém terá tido a noção do nível de precaridade que existe nas instituições privadas e do risco que podem ter para conseguir assegurar alguma qualidade no seu ensino”, comenta o presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (Snesup), António Vicente. Este dirigente alerta também para uma outra realidade do sector que não é traduzia por estes números: além da precaridade dos vínculos, há uma realidade “muito diversa” quanto ao valor dos pagamentos. “Há algumas instituições privadas que são uma referência e que fazem um paralelismo com a função pública, mas existem instituições que praticamente não têm tabelas, pagam com aquilo que lhes convém”, denuncia.

Ordenados diferentes
Em 2012, o Snesup já tinha tornado públicos casos de professores que davam aulas em instituições do grupo COFAC, a que pertence a universidade Lusófona, onde há docentes a receber 5 euros por hora para leccionar. Esta realidade de trabalho à hora é confirmada pelos docentes. “Trabalhei a recibos verdes até há seis anos, quando me passaram para um regime chamado “contrato de docência”, que não é um verdadeiro contrato de trabalho”, explica ao PÚBLICO um docente do ensino superior privado, que há mais de 20 anos dá aulas no sector, tendo passado por várias instituições públicas e privadas, e que pediu anonimato.

O documento então assinado com a universidade para a qual trabalha não define um valor de vencimento mensal fixo, mas sim o preço por hora que será pago e que varia em função do número de alunos. Se a turma tiver mais de 15 alunos, este docente recebe 30 euros por hora, o valor desde para os 23 euros se a turma tiver entre 5 e 15 alunos e para 17 euros se a turma tiver menos de cinco alunos.

“O dinheiro é muito pouco, não dá para mais do que as necessidades básicas. E depois há uma angústia muito grande: uma pessoa cria expectativas, estuda, estuda, e depois o resultado é este…”, desabafa o mesmo professor. “Nunca sabemos qual vai ser o nosso horário no semestre seguinte. A informação chega sempre em cima da hora e, por vezes, podemos até nem ter atribuída qualquer turma”, acrescenta outra docente do ensino privado, com 16 anos de experiência, e que também pediu para não ser identificada. “Não é difícil de imaginar as implicações de podermos passar, de um semestre para o outro, de um salário de 700 euros para um de 200”, refere.

No início deste ano, um acórdão do Tribunal da Relação de Évora, a propósito de uma acção intentada por um professor de uma instituição de ensino superior do Algarve, não reconheceu os denominados “contratos de docência” como um contrato de trabalho, mas como “mera prestação de serviços”.

Para o Snesup, o único caminho para resolver este problema de precarização dos vínculos no ensino superior privado é criar um regime para regular a carreira de docentes e investigadores neste sector, à semelhança dos estatutos para os docentes das universidades e dos institutos politécnicos públicos. O sindicado fez essa proposta recentemente ao actual secretário de Estado do Ensino Superior, José Ferreira Gomes, e também quer discutir o tema com os partidos políticos antes das eleições Legislativas.

“A lei define há vários anos que deve haver um paralelismo claro e efectivo entre o regime público e o regime privado. As instituições de ensino privado que queiram ser ensino superior devem cumprir as mesmas regras do público”, defende António Vicente. O Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo prevê um diploma próprio para o regime laboral aplicável aos docentes, desde 1989. Em termos legais, tem sido jurisprudência considerar que, à falta deste documento, deve ser aplicado o regime geral do contrato de trabalho.

O PÚBLICO colocou um conjunto de questões à Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado, que reúne a generalidades das instituições que detém universidades e politécnicos particulares, mas não obteve respostas.

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