Dois pombos e três abelhas

Felizmente não havia nenhum pombo morto. Seria a pior forma de regressar das férias: entrar em casa, abrir a porta da varanda e deparar-se com a mórbida criatura trespassada pelos espetos que tínhamos fincado em três grandes vasos.

Não somos homicidas avícolas. A estratégia acutilante tinha como única finalidade evitar que os vasos fossem transformados em maternidade columbal, algo que um casal de pombos vem tentando sucessivamente desde que o prédio foi infestado.

Eles sempre andaram ali à volta, como em toda a cidade. De repente, escolheram o meu edifício como sede oficial de acasalamento. E desde então, acordo todos os dias com o arrulhar supostamente sedutor do macho.

Uma mau despertar é meio caminho andado para uma asneira insensata, neste caso uma vontade indómita de apedrejar os amantes alados. Sob a lógica do ecologismo hiperbólico, é matéria controversa: até que ponto podemos odiar um animal?

Uma vez, minha mulher saltou da cama com tamanha fúria que julguei que ia esganar os animais. “Ahhhhh!”, gritou como um samurai, e partiu para a janela, puxando a corda da persiana com súbita violência. Afugentou-os, é certo, mas por pouco não ia dando cabo do mecanismo.

Melhor sorte tiveram as abelhas. Eram três e ocupavam-se dos seus afazeres digestivos ao redor das flores de um pé de lavanda quando foram avistadas. Dada a natureza picante dos bichos, a ordem intuitiva seria “mata!” ou então “foge!”. Mas não. “Que lindas”, disse minha mulher, imediatamente adoptando-as como coabitantes da casa.

A presença das abelhas simbolizava o sucesso da nossa política de conservação da natureza, aqui representada pela plantação de uma alfazema – e não menosprezem o acto, já vi governos a se vangloriarem por menos. Bastou florescer para que se juntasse à sua volta um volante microcosmo de biodiversidade.

A espécie vegetal em causa deve ser a Lavandula angustifolia, nome apropriado a uma planta que atrai insectos passíveis de despertar em qualquer um a angústia mariquinhas de ser picado.

Bem, não eram pequenas as abelhas, mas das gordas, peludas. O seu aparecimento foi devidamente registado num interessante site na Internet, que convida todos a assinalarem o avistamento de espécimes desse tipo de insectos. Em poucos dias, informaram-nos de que se tratava de um abelhão, da espécie Bombus terrestris, denominação algo explosiva.

O dever parecia cumprido, sobretudo tendo em conta a grande preocupação que há por aí quanto ao sumiço das abelhas, mentalmente baralhadas pelos pesticidas. Mas a Bombus terrestris tem das suas. Como óptima polinizadora, é criada comercialmente para utilização em estufas. Espalhou-se assim pelo mundo todo e agora é considerada uma ameaça nalguns países, por competir com as espécies nativas, transmitir parasitas e aumentar o sucesso de plantas indesejadas.

Eu não devia dizer isto. Acabámos de adoptar os bichinhos e já estamos a manchar a sua reputação ecológica. É melhor voltar para os pombos, que são uma praga mais visível e transmitem a perigosa criptococose, doença que, apesar do nome, não é do foro intestinal.

Há todo o tipo de receitas para controlar os pombos, desde barreiras físicas – como os palitos de dentes que espetamos nos vasos – a anticoncepcionais, passando por soluções sinistras, como a de embriagá-los com milho encharcado em cachaça. Não confio muito na última. Dado o poder desinibidor do álcool, deve ser contraproducente. 

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