Doentes psiquiátricos falham consultas por falta de dinheiro para o transporte

Quase seis anos depois do início do fecho de três hospitais psiquiátricos, ainda não foram criadas estruturas para apoiar os doentes que saíram, refere o documento.

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PÚBLICO/Arquivo

Na área da saúde mental, a falta de dinheiro para o transporte é apontada por vários estudos referidos no Relatório de Primavera de 2015, da autoria do Observatório Português dos Sistemas de Saúde, como factor que explica muitas vezes a não ida às consultas.

“Apesar de ter havido aumento das famílias abrangidas pela isenção de taxas moderadoras, de 1,9 milhões em 2006 para 2,8 milhões em 2013, a parte substantiva do problema parece estar a montante com a escassez ou inexistência de apoio para os transportes”, refere o documento.

Constata-se ainda “a incapacidade para comprar toda a medicação prescrita por razões económicas”. Os autores do documento referem, a este propósito, que em pessoas com problemas de saúde mental as idas às urgências têm muitas vezes na origem “a descontinuidade de toma de medicação, que ronda os 50% nos casos de sintomatologia psicótica.”

O relatório aponta para “uma diminuição da comparticipação pelo Governo de medicamentos antipsicóticos que deixou de ser de 100% para, nalguns casos, ser suportado pelo doente em 5% ou 10% do custo do tratamento. “Em Portugal verificou-se que o conjunto de medidas de contenção de custos que estavam em curso antes e depois de Outubro 2010” levou a uma diminuição do uso de antipsicóticos genéricos. Ou seja, “assumindo uma posologia diária de três comprimidos, as mudanças de políticas podem ter resultado em 6-97 menos dias de tratamento entre 100 000 pessoas por mês em Portugal.”

O relatório lembra ainda que passaram cerca de seis anos desde o início do chamado processo de desinstitucionalização, que, na prática, se traduziu, no fecho de três hospitais psiquiátricos, o Miguel Bombarda, o Centro Psiquiátrico de Recuperação de Arnes e o Hospital do Lorvão. Em consequência, houve “uma diminuição em 40% do número de doentes institucionalizados em hospitais psiquiátricos”.

O problema é que quase tudo o estava previsto que acontecesse em simultâneo com a saída dos doentes, ficou no papel. “Houve um plano muito bem feito. Frequentemente temos planos muito bem feitos”, ironiza Manuel Lopes, o investigador da Universidade de Évora que coodenado o observatório.

A garantia da Coordenação Nacional para a Saúde Mental (2007) era de que os hospitais psiquiátricos não seriam encerrados sem que tivessem sido criadas instituições de prestação de cuidados de saúde mental alternativas, sem que o orçamento alocado aos hospitais psiquiátricos fosse realocado a serviços comunitários e, ainda, sem que o aumento do número de profissionais não médicos a trabalhar na área da saúde mental estivesse assegurado. Nada disso teve lugar. A Rede Nacional de Cuidados Continuados para a Saúde Mental está prevista desde 2010 mas ainda não existe.

O relatório dá conta de um recente anúncio de um compromisso de cooperação entre o Governo e a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e as Mutualidades, no qual se prevê a abertura de unidades pertencentes ao sector social, “tendo-se optado pela criação de camas em detrimento da criação de equipas, apesar de as primeiras serem manifestamente mais caras e de imporem nova institucionalização. Também não é claro o critério que conduziu à decisão de abrir as unidades em Almeida e Ponte de Lima.”

Regras para segurança do doente pouco aplicadas pelos hospitais
As comissões da qualidade e segurança são obrigatórias mas apenas seis hospitais, das 23 unidades que responderam aos questionários enviados pelo Observatório Português dos Sistemas de Saúde, identificaram a sua existência, refere o Relatório de Primavera 2015. Foram mandados para 50 unidades.

O relatório deste ano dedica um capítulo às questões da segurança do doente. O documento refere igualmente, que os procedimentos de controlo de infecção foram referidos somente por cinco hospitais, “o que denota que as práticas seguras não estão a ser executadas pelos hospitais do Serviço Nacional de Saúde”.

Embora os doentes devam ser informados sobre os riscos das intervenções médicas, antes de assinarem os consentimentos informados, o relatório conclui que estes "continuam a expressar um puro acto ‘burocrático’ de recolha de assinatura, maioritariamente sob responsabilidade médica, sem os esclarecimentos devidos sobre a natureza da intervenção, consequências e riscos, o que parece significar que continua a ser gerido pelas organizações hospitalares, não como um procedimento central da segurança do doente, mas como um mero acto administrativo."

Perante as respostas recebidas dos hospitais, os autores do estudo notam que estas “indiciam que as questões inerentes à segurança do doente são geridas como procedimentos exigíveis externa e/ou internamente, e não como uma verdadeira cultura de de gurança do doente.

De acordo com resultados do Eurobarómetro de 2014, os portugueses consideram provável que os doentes sejam lesados nos cuidados hospitalares em Portugal (75% considera provável e apenas 21% considera improvável; 4% desconhecem), o que, dizem os autores, revela a fraca confiança dos portugueses na qualidade dos cuidados.

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