Aumento de cremações é um problema ambiental?

As cremações são cada vez mais numerosas em Portugal, mas os fornos crematórios estão a funcionar sem um enquadramento legal previsto há quase duas décadas.

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Diogo Baptista
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O país já tem mais de 20 fornos em operação e o número pode aproximar-se dos 30 a curto prazo. Não há, porém, quaisquer normas que digam como devem funcionar e quais as medidas para garantir que não há potenciais problemas de saúde ou ambientais.

A poluição do ar é uma questão que tem levantado preocupações noutros países. Os materiais das urnas funerárias, os produtos utilizados na preparação dos corpos, as amálgamas dos dentes e aparelhos como os pacemakers, por exemplo, podem resultar na emissão de poluentes, incluindo metais pesados como o mercúrio.

Um decreto-lei de 1998 e ainda em vigor estabeleceu que as cremações deveriam ser feitas em “equipamento que obedeça às regras definidas em portaria dos membros do Governo responsáveis pela área do ambiente e ordenamento do território e da saúde”. Quatro anos depois, foi criado um grupo de trabalho para elaborar esta portaria. Passados seis anos sem que nada tivesse acontecido, em 2008, foi constituído um novo grupo de trabalho. Até hoje a portaria não foi publicada.

A Direcção-Geral de Saúde, que coordenou os grupos de trabalho, não respondeu a tempo às perguntas enviadas pelo PÚBLICO na sexta-feira. A Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que também participou nesta equipa há sete anos, concluiu na altura que os fornos crematórios poderiam ser fonte do mesmo tipo de poluentes que qualquer outro equipamento de combustão.  Mas com uma operação eficiente e com sistemas de tratamento dos gases previam-se “impactes pouco significativos na qualidade do ar”, segundo uma nota enviada pela APA ao PÚBLICO.

As ideias e sugestões então elaboradas ficaram, porém, no papel. De acordo com informação da APA, chegou a haver uma proposta de diploma que acabou por não ser aprovada.

Curiosamente, em 2002 – quando o primeiro grupo de trabalho foi criado – o Governo publicou dois despachos reconhecendo que dois dos primeiros crematórios do país, o dos Olivais, em Lisboa, e o de Ferreira do Alentejo, tinham as “condições técnicas adequadas”. Esta era a forma exigida para a validação dos locais de cremação segundo uma legislação de 1982, que nessa altura já estava, porém, revogada.

De lá para cá, houve um aumento exponencial das cremações em Portugal. Em 1991, quando só havia um forno crematório no país – o do cemitério do Alto de São João, em Lisboa – foram incinerados 191 cadáveres. Em 2008, já houve 6889 cremações, equivalentes a 6,9% dos óbitos no país, segundo uma compilação das agências funerárias Servilusa.

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O número tem continuado a subir consistentemente, ano após ano. Em 2014, foram 13.647 as cremações, representando uma taxa de 13,7% dos óbitos.  O valor ainda é baixo se comparado com outros países da Europa. Na Eslovénia, Suécia, Dinamarca, Republica Checa, Reino Unido e Holanda a percentagem iguala ou supera os 75%. Na Alemanha, é de 54%, na Finlândia, 46%, e em França, 34%. Próximo de Portugal estão a Itália (18%), Polónia (16%), Letónia (15%) e Irlanda (13%).

“A nossa sociedade vai caminhar para aí”, antevê Vasco Simões, gerente da agência funerária Lusitana. As cremações já representam cerca de 40% do movimento de negócios desta empresa. A explicação está em parte numa mudança de mentalidade. “São mais questões sociológicas”, avalia o presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas, Carlos Almeida. Nas cidades, a ideia de sepultar um cadáver tem vindo a ser progressivamente abandonada, em favor de uma solução mais simples, higiénica e definitiva. “As pessoas não querem ficar vinculadas a uma sepultura, a um jazigo”, diz Carlos Almeida. “A ideia da decomposição assusta-as”, completa.

O preço também estará a influir. As taxas municipais para a cremação são normalmente mais caras do que para uma sepultura simples. Mas o custo de uma lápide ou de um jazigo, mais a necessidade de exumar os restos mortais passados alguns anos, torna um funeral tradicional mais oneroso. “Nesse ciclo, há mais interacção da família e mais custos”, afirma Paulo Carreira, director da Servilusa.

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Em grande medida, no entanto, o crescimento das cremações nos últimos anos está ligado ao aumento da oferta. Em 2007, havia apenas quatro fornos crematórios no país – dois em Lisboa, um no Porto e outro em Ferreira do Alentejo. Agora, já são 22. E há pelo menos mais seis em construção ou em projecto em Castelo Branco, Albufeira, Entroncamento, Guimarães, Coimbra e Cascais. A nova oferta está a provocar alterações na dinâmica dos funerais. Antes, as cremações do sul do país eram quase todas feitas em Lisboa. Em 2013, dos 8907 funerais realizados na capital 4761 foram cremações – cerca de 53%. Agora, na área metropolitana já há crematórios em Loures, Vila Franca de Xira, Oeiras, Almada, Setúbal e Sesimbra, alguns deles privados.

“As agências desviam muitos residentes que falecem em Lisboa para os seus crematórios”, afirma o director municipal de Estrutura Verde, Ambiente e Energia de Lisboa, Ângelo Mesquita. Com isso, o número de funerais na cidade caiu para 6530 no ano. E as cremações desceram para 3305, cerca de um terço a menos do que em 2013. Este ano, a taxa de cremações está em cerca de 49%. Na vizinha Loures, a situação é a inversa. O número de cremações duplicou de 707 para 1496 entre 2011 e 2014. Mas apenas 23% - pouco menos de um quarto – se referem a residentes no concelho.

Os crematórios vieram aliviar a pressão sobre os cemitérios. Ângelo Mesquita relembra que em 1997 foram sepultadas 9500 pessoas em Lisboa. Hoje, este número caiu para um terço. “Todas as perspectivas de expansão dos cemitérios foram abandonadas. Não se justifica. O número de inumações está a decrescer muito”, explica. “Sobram cemitérios”, completa Carlos Almeida.

Também do lado dos crematórios, há folga nalguns lados. “Muitos estão subaproveitados”, diz Vasco Simões, da Lusitana. O movimento pode aumentar nos momentos de pico nos funerais – como no tempo frio e no calor excessivo. Mas, via de regra, as cremações são feitas dentro da janela legal – entre um a três dias depois do óbito. “Não me parece que haja entupimento. Pode haver às vezes 24 horas de espera”, descreve Carlos Almeida.

Embora a proliferação de fornos crematórios esteja a ser feita sem enquadramento legal, os seus potenciais impactos são considerados menores do que os de uma sepultura tradicional (ver texto nestas páginas). “Não há regra nos cemitérios, é permitido tudo na terra - vernizes, plásticos. É altamente contaminado”, afirma Paulo Carreira, da Servilusa. A empresa adoptou o seu próprio código de boas práticas, desenvolvendo uma norma ambiental voluntária para os seus funerais. “Cem por cento das urnas da Servilusa respeitam os princípios ambientais, quer seja para a terra ou para a cremação”, garante Paulo Carreira.

As cinzas das cremações não estão sujeitas a qualquer restrição. A lei de 1998 diz que o seu destino final é “livre”. “A maioria das pessoas fica com as cinzas”, diz Vasco Simões, da funerária Lusitana. O que fazem a seguir, cabe a cada um decidir – desde mantê-las em casa, numa urna, até dispersá-las no mar ou na terra. Há espaços próprios para isso nos cemitérios e crematórios, como jardins e columbários ou os próprios jazigos.

No destino “livre” para as cinzas cabem opções inovadoras, como enviá-las para a estratosfera. No ano passado, a Servilusa fez uma experiência em Barcelona, em conjunto com uma universidade espanhola. Lançou-as num balão, com uma câmara de vídeo dotada de GPS. Após o balão explodir na alta atmosfera, as cinzas lá ficaram e a câmara foi depois recuperada, com o registo da homenagem. “Foi apenas uma experiência”, diz Paulo Carreira. 

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