Disparidade europeia começa na protecção aos mais pobres dos mais pobres

Análise comparativa dos sistemas de rendimento mínimo feita por peritos da Rede Europeia Antipobreza a pedido do Parlamento Europeu.

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Vítor Melícias disse que não se está a tomar em atenção que as primeiras pessoas a serem atendidas são os pobres
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Vítor Melícias disse que não se está a tomar em atenção que as primeiras pessoas a serem atendidas são os pobres Paulo Pimenta

O rendimento mínimo atribuído a uma pessoa que viva sozinha e não disponha de qualquer outra fonte de rendimento varia entre 22 euros na Bulgária e 1433 euros na Dinamarca – Portugal fica-se pelos 178,15 euros. Pode a União Europeia sobreviver a tamanha desigualdade? A pergunta foi esta quinta-feira lançada em Bruxelas numa conferência que esmiuçou dados recolhidos pela Rede Europeia de Rendimento Mínimo, um projecto da Rede Europeia Antipobreza (EAPN) encomendado pelo Parlamento Europeu e financiado pela Comissão Europeia, a apontar para uma directiva sobre sistemas de rendimento mínimo adequado.

Sistemas de 30 países foram analisados por peritos dos vários países – os Estados-membros, tirando a Eslovénia e a Croácia, acrescentando a Sérvia, a Islândia, Noruega e a Macedónia. Todos, excepto a Itália e a Grécia, têm algum tipo de rendimento mínimo, destinado a pessoas pobres, que não podem trabalhar, trabalham mas auferem um salário demasiado baixo ou estão desempregadas e já não têm direito a subsídio.

Há uma acepção de pobreza no espaço comunitário. Convencionou a Comissão Europeia situar o limiar nos 60% do rendimento mediano por adulto equivalente. Está em risco de pobreza quem, após as transferências sociais do Estado, vive com menos do que isso – 409 euros em Portugal.

Não há, porém, um conceito europeu de rendimento adequado. Cada país instituiu um valor mínimo necessário, por vezes sem noção do que pode garantir vida digna. Uma proposta deverá ser apresentada à União Europeia, atendo a diferente contextos, diferentes custos de vida.

Por ora, só a Dinamarca tem um rendimento mínimo que excede os 60% do rendimento mediano. Nenhum outro país analisado chega aos 50%. Islândia, Luxemburgo, Bélgica e Malta situam-se entre os 40 e os 49. Suécia, Estónia, Roménia, Letónia, Eslováquia, Bulgária ficam abaixo dos 20%. Portugal ronda os 27%.

Os valores praticados revelam a disparidade que existe dentro do velho continente em termos de desenvolvimento e em termos de protecção social, declarou ao PÚBLICO, Carlos Farinha Rodrigues, especialista em desigualdades, exclusão social e políticas públicas, por telefone. Em Portugal, o chamado rendimento social de inserção “não é uma medida de combate à pobreza, mas à pobreza extrema”.

Portugal foi um país chave no encontro. Um vídeo sobre a queda abrupta de beneficiários de RSI, de resto, é que abriu a conferência.

Com níveis de pobreza na ordem dos 20%, Portugal nunca teve mais de 5% de beneficiários. E a Carlos Farinha Rodrigues parece paradoxal que o número tenha caído a pique desde 2010, ano em que o último plano de estabilidade e crescimento apertou as regras de acesso. Em vez de reforçar a medida e a sua eficácia na redução da pobreza, os governos trataram de a neutralizar, tornando-a menos acessível, reduzindo-lhe o valor, aumentando-lhe a carga burocrática, diz. Na sua opinião, tal reflecte uma forma do olhar a pobreza, denota “falta de sensibilidade”.

Também presente no encontro, a socióloga Liliana Pinto, co-autora do relatório sobre Portugal, destaca a proposta de directiva europeia sobre rendimento garantido adequado. Um valor baixo funciona como uma rede para quem caiu na pobreza extrema, não como um trampolim para sair dela, comentou.

Com base em informação recolhida nos 30 países, a autora do relatório, Anne Van Lancker, defende que um rendimento mínimo adequado é bom não só para quem dele beneficia, mas para toda a sociedade. Ajuda a estabilizar a economia, combate a desigualdade, incentiva a vida activa, enuncia.

Será fraca a ligação entre o rendimento mínimo adequado e os outros dois pilares da estratégia de inclusão activa: o acesso a serviços de qualidade e a integração laboral. Em vez de abordagem integrada, muitos países colocam enfase na vontade de trabalhar. Em todos eles, quem está em idade activa tem de estar inscrito nos centros de emprego, de procurar, de estar pronto para aceitar formação, ocupação ou trabalho. Só alguns dispensam quem está incapaz e tem de tomar conta de crianças ou adultos dependentes. Em muitos, tem de se aceitar qualquer proposta que seja feita, sob pena de se ficar sem prestação. E cada vez mais países introduzem actividade socialmente útil, espécie de voluntariado forçado.

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