Discriminação de imigrantes é um “fenómeno invisível” a carecer de “regulação adequada”

Alto Comissariado para as Migrações só comunicou uma queixa à Autoridade para as Condições do Trabalho por discriminação no acesso ao mercado laboral em 2014.

Foto
A construção civil e as obras públicas estão entre os sectores menos competitivos Karim Sahib/AFP

No mesmo dia em que foram apresentados os resultados de mais um estudo MIPEX (que classifica Portugal como segundo melhor país do mundo a receber emigrantes) um grupo de investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC) discutiu a discriminação daqueles que acolhe no momento de acederem ao mercado de trabalho. O coordenador do projecto Indigno, Pedro Góis, explica que o objectivo é “promover conhecimento para que se alterem as normas”, uma vez que “a maior parte dos processos de discriminação não são manifestos, são subtis” e, portanto, dificilmente identificáveis.

As queixas relacionadas com discriminação no acesso ao mercado de laboral português com base na nacionalidade são apresentadas na Comissão para a Igualdade e Discriminação Racial do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Como o ACM não tem competência para instruir os processos de contraordenação, faz a comunicação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), explica a jurista e investigadora do projecto, Ana Leite. Em 2014, apenas uma queixa foi comunicada à ACT pelo ACM.

No mesmo ano, deram entrada na ACT 2000 queixas por parte de trabalhadores de fora da União Europeia (UE). No entanto, estas relacionam-se maioritariamente com contratos já existentes e não com dificuldades no acesso, explica a jurista. Pedro Góis entende que a ACM deveria, no caso de haver indícios, fazer uma verificação do ocorrido e que, face a estes dados, “é preciso repensar o papel destas instituições”.

Para Ana Leite, apesar de o código de trabalho português reconhecer ao cidadão estrangeiro “os mesmos direitos que reconhece ao português”, esta situação não se verifica na prática. A investigadora declara que, no decorrer do estudo, não foram encontradas sentenças que digam respeito a discriminação no acesso ao mercado de trabalho com base na nacionalidade. Sem dados concretos, Ana Leite enumera a morosidade da justiça, o desconhecimento de direitos ou a dificuldade no seu acesso como possíveis factores para esta ausência.

Outra questão levantada pela jurista é a inversão do ónus da prova, prevista na lei. De acordo com a investigadora, a lei estabelece que só tem que ser provada a existência de indícios, ficando a cargo da entidade empregadora o papel de provar que não há prática discriminatória. Na maioria das vezes, tal não acontece. “Se eu, trabalhador, tiver que provar isso, então nunca vamos conseguir provar que existe discriminação”, afirmou, aludindo à dificuldade em provar em tribunal a existência dessas práticas.

Pedro Góis considera que a discriminação é um “fenómeno invisível”, o que torna difícil a sua tradução em dados quantitativos. O também docente da Faculdade de Economia da UC avalia que a recente “alteração estrutural e radical do mercado de trabalho” implica alterações na definição do que é considerado discriminação. As conclusões do estudo apontam para necessidade de melhorar as políticas, ou seja, “há uma desadequação dos mecanismos legais e das entidades oficiais para o reconhecimento da discriminação” que precisa de ser corrigida.

Desigualdade de rendimentos e de horas de trabalho
Em Portugal, trabalhadores de fora da UE trabalham mais horas e recebem menos, comparativamente a portugueses e a cidadãos da união. Aliás, entre 2008 e 2013, quando já foi possível analisar os efeitos da crise, o fosso alargou-se. Segundo os dados do Inquérito ao Emprego do INE tratados pelo grupo de investigadores, em média, os portugueses e indivíduos naturais de países da UE trabalham 38,3 horas por semana, contra 39,9 horas do grupo dos restantes cidadãos estrangeiros.

De acordo com os dados apresentados pelo investigador do CES José Carlos Marques, as diferenças também se reflectem no salário auferido. Em 2008, portugueses e cidadãos europeus residentes em Portugal recebiam, em média, 711 euros por mês, enquanto os cidadãos estrangeiros recebiam 640. Em 2013, não só o rendimento médio aumentou para 796 euros por mês, como o salário médio dos cidadãos de fora da UE desceu para os 614 euros por mês.

Na prática, esta evolução significa que um cidadão português ou europeu ganhava em média 4,4 euros por hora em 2008, passando a receber 4,9 euros por hora cinco anos depois. Pelo contrário, esta relação sofre um revés quando o grupo em análise é composto por cidadãos de fora da UE. Se em 2008 este grupo recebia 3,9 euros por hora, passou a receber 3,8 em 2013. A juntar a estes dados, o estudo permite também concluir que estes cidadãos “têm menores percentagens de contrato permanente que os cidadãos da UE”.

Na análise à situação laboral dos cidadãos dos países terceiros, José Carlos Marques refere que estes tendem a ocupar posições menos qualificadas no mercado de trabalho. Logo, estamos perante um grupo de cidadãos inserido em “sectores de actividade particularmente afectados pela crise”, como é o exemplo de áreas como a construção civil ou restauração e alojamento. Depois de analisadas as variáveis relaccionadas com os níveis de escolaridade para o mesmo período, o estudo concluiu também que se registou “uma desqualificação ou um não aproveitamento das qualificações dos trabalhadores provenientes de fora da UE”.

Em Coimbra para participar na discussão, o especialista da Organização Mundial do Trabalho Patrick Taran enalteceu a importância da migração para o desenvolvimento das economias dos países ocidentais. O também presidente da Global Migrations Policy Associates lembra que entre 10% e 15% da força de trabalho dos países ocidentais é composta por indivíduos que não nasceram nesse país.

Taran deixa o aviso: “Mas ainda não vimos nada”. O envelhecimento e consequente decréscimo da população activa “não vai ser acompanhado com rapidez suficiente pela automatização dos sistemas e tecnologia”. Portanto a migração assumirá um papel ainda mais importante na dinamização das economias, nomeadamente das europeias. O especialista aponta para 2020, ano em que irão faltar “85 milhões de trabalhadores para manter as economias a funcionar”.

“Temos a ideia de que os Estados ocidentais pensam em mais deportações e em mais medidas restritivas à imigração”, afirma, “mas a economia precisa de mais trabalhadores”. Patrick Taran lembra ainda o factor “globalização”, que exerce um “acréscimo de pressão sobre os trabalhadores”.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários