Dia Mundial da Criança: E se fossem eles a mandar no país?

A pensar neste domingo em que se comemora por todo o lado o Dia Mundial da Criança, o PÚBLICO pediu a cinco crianças de 8 e 9 anos que se sentassem a uma mesa redonda a discutir os problemas do país.

Foto
Os cinco alunos de uma escola primária do Porto mostram que sabem que o país está em crise Adriano Miranda

Têm entre 8 e 9 anos e sabem que o país está em crise. Se mandassem, obrigavam os patrões a pagar mais aos empregados. E, sim, sabem para que servem as eleições, só acham que não valem a pena porque “os que são escolhidos cometem sempre os mesmos erros”.

A palavra dinheiro surge várias vezes (demasiadas?) durante a conversa e isso é surpreendente porque ainda mal saíram da fase em que se brinca às princesas e aos piratas. Será porventura porque a crise lhes entrou pela porta de casa adentro, traduzida em coisas como a emigração e o desemprego. Sim, sabem que o país afundou numa crise que deixou muitas pessoas sem poder “por exemplo, alugar uma casa e comprar comida”. Por isso, se fossem primeiro-ministro, obrigavam os patrões a “pagar mais aos empregados” e “o mesmo todos os meses”. Não se imaginam com filhos porque, lá está, “se calhar não vai haver dinheiro para comprar roupas e comida”. 

A pensar neste domingo em que se comemora por todo o lado o Dia Mundial da Criança, o PÚBLICO pediu a cinco alunos do 3.º ano do primeiro ciclo do básico da Escola João de Deus, no Porto, que se sentassem a uma mesa redonda a discutir os problemas do país. Sentados nas cadeiras, chegam bem com os pés ao chão mas apenas porque aquelas são feitas à sua medida. Têm entre oito e nove anos. Francisco, que se destaca do grupo pelos óculos azuis, decidiu que quer ser futebolista quando crescer. Samuel, o mais franzino, também e até já treina no Leixões. Leonor quer ser médica e sabe que a isso a obrigará a “ser sincera e cuidar bem das pessoas”. Beatriz, cabelo preso num rabo-de-cavalo, imagina-se veterinária, por causa da cadela Nina que dorme no seu quarto. João, o mais desenvolvido, casaco de fato-de-treino às riscas pretas e brancas, anuncia que quer ser polícia. “Para prender as pessoas que se portam muito mal”, justifica. “Se calhar vou ter que prender os que estão no Governo também”, acrescenta, dando o mote para a conversa que se prolongou por cerca de uma hora.

João: “Eu gosto de tudo [no país] menos do Governo”

No léxico de todos, substantivos como crise e desemprego tornaram-se familiares. “Crise é estar sem dinheiro. Os nossos pais trabalham e recebem cada vez menos dinheiro todos os anos”, define Beatriz. “A mãe do Francisco está desempregada. E a minha mãe também esteve”, diz Leonor. “A minha mãe já abriu uma espécie de ATL com a minha avó”, corrige Francisco. A minha irmã também está desempregada”, acrescenta João. “Algumas pessoas que ficam sem emprego perdem a casa”, precisa Samuel, ao que Francisco acrescenta: “E têm que pedir dinheiro porque já não podem comprar comida”.

Quanto à emigração, que é “ir para outros países arranjar trabalho”, Samuel e Francisco têm-na como inevitável, mas por razões diferentes das habituais: “Como vamos ser jogadores, se calhar vamos ser contratados por outros países”, explica Samuel. Descontada essa circunstância, todos se mostram pouco confortáveis com a ideia de serem forçados a partir. “Eu não quero, porque gosto muito do meu país. Da paisagem e isso… E deixar cá a família não seria nada bom”, perspectiva Leonor. Ao que João atira: “Eu gosto de tudo [no país] menos do Governo”. Porquê? “Porque é uma coisa má. Só nos deixa obedecer” e temos de estar sempre a pagar!”. Beatriz acrescenta que “o Governo manda pagar menos aos empregados e mais a quem manda nas empresas”. “E obriga-nos a pedir facturas”, soma Francisco. É então que Samuel vaticina, mãos entrecruzadas sobre o tampo da mesa: “Eu, particularmente, acho que todo o país detesta o Governo”.

Samuel: “Se fosse primeiro-ministro inventava uma regra que era os patrões darem mais aos empregados”

Tendo ficado assente neste quinteto que “quem Governa são os maus” - os tais que João admite vir a prender um dia -, a pergunta que se impõe é para que servem, afinal, umas eleições. Diz Beatriz: “Servem para os nossos pais escolherem os nossos governantes. Por exemplo, agora está um, não sei qual é, o PSD ou algum outro, a governar. Mas depois a parte má é que quem é escolhido faz sempre os mesmos erros. E eu não gosto nada disso”. João também não gosta. Francisco idem aspas: “As pessoas escolhem o seu preferido para tornar Portugal melhor, com mais dinheiro, e depois os preferidos acabam por tirar um pouco mais [às pessoas] ”. Depois de Samuel ter opinado que “as eleições são todos os anos” e que coincidem com o dia em que o seu avô faz anos, Beatriz decide precisar o que pensa sobre o assunto. “Com as eleições nós aprendemos quem é que faz mal ao país e quem não faz. É uma lição para votarmos noutros porque já aprendemos que quem lá está não é bom governante”. Logo, “as eleições servem para dizermos que quem lá está não é bom”.

Das eleições ao voto, descobre-se que na casa destes miúdos ninguém foi às urnas nas europeias do passado domingo. “Os meus pais disseram que estas eleições não interessavam”, atira o João. Os de Francisco, aparentemente, “esqueceram-se”, segundo o próprio. Já os de Beatriz não foram “porque não interessa muito ir às eleições”. Mas não concordámos que estas eram importantes? “Sim, mas às vezes, quando nós já sabemos que nenhum dos governantes vai governar bem Portugal, não vale a pena ir votar porque eles vão continuar a fazer o mesmo”, justifica.

Beatriz: Quando nós já sabemos que nenhum dos governantes vai governar bem Portugal, não vale a pena ir votar porque eles vão continuar a fazer o mesmo”

Desafiados a colocarem-se na pele de primeiro-ministro, João, Samuel, Beatriz Leonor e Francisco não divergem muito nas respostas à pergunta “o que fariam?”. O problema do dinheiro ressoa em todas as respostas. "Eu punha os senhores que têm dinheiro a dar algum aos pobres”, despacha-se João. “Eu tentava que todas as pessoas tivessem o mesmo dinheiro, e o mesmo todos os meses”, reforça Beatriz. Com a precisão que o caracteriza, Samuel pormenoriza: “Se fosse primeiro-ministro inventava uma regra que era os patrões darem mais aos empregados”. Mas é Francisco quem bate recordes de popularidade ao proferir: “Punha tudo grátis durante uma semana”. Ao que todos reagem com um sonoro e prolongado “Siiimmm”.

Mas por que é que o dinheiro é tão importante, afinal? “Porque se não tivermos dinheiro não compramos nada”, reage João. “E com o avanço das tecnologias”, avança Samuel, “as coisas que comprarmos no futuro vão ser mais caras e por isso vai ser preciso muito dinheiro”.

Leonor: “Quero ter filhos porque quero que a minha família continue”

Curiosamente, é novamente o dinheiro a sustentar os argumentos quando a conversa evolui para questões como casar e ter filhos. O primeiro a dizer que não quer uma nem outra é Samuel, sem chegar, contudo, a explicar porquê. “Casar também não quero”, concorda Beatriz, para quem ter filhos “talvez”, mas com condições. “Se o país continuar sem dinheiro, é melhor não ter”, adianta. E explica: “Se o Governo gastar tudo e deixar pouco para as pessoas, elas não podem sustentar os filhos e ter o suficiente para comprar as roupas e a comida”. Apenas Leonor refere não pensar nisso. “Quero ter filhos porque quero que a minha família continue”.

Francisco: “Mandava destruir todos os carros e punha as pessoas a andar em carros eléctricos”

Desfeito o parenteses sobre dinheiro, e retomado o faz-de-conta que se é primeiro-ministro, surgem outras preocupações no discurso das crianças. Francisco, por exemplo, “mandava destruir todos os carros que existem e punha as pessoas a andar em carros eléctricos”. Beatriz acrescenta que “assim o buraco de ozono não se abria cada vez mais”. E vira o barómetro a seu favor quando acrescenta: “Mandava as escolas não fazer tantos testes”. “Sim”, apoia Francisco, “e punha os alunos a escolher a matéria que queriam”.

 

Tudo em nome da felicidade colectiva. Quantos aos factores que a determinam, vão do tirar boas notas (“os meus pais prometeram-me um tablet, se tirar boas notas”, explica João), ao jogar à bola, nos casos de Francisco e Samuel. Já Leonor diz que se sente feliz quando está com a avó. “Porque ela acompanha-me sempre na vida”, justifica. E depois de uns minutos acrescenta, não vá ferir susceptibilidades: “Também gosto da minha mãe”.

No caso de Beatriz, a felicidade acende-se quando está com a cadela. “Acho que os animais nunca deviam morrer”, enuncia.

 

 

 

  

 

 

 

 

 

 

 

Beatriz: “[A morte] é algo muito triste porque as pessoas sentem que a família deixa de estar completa e ficam com um buraco”
Num futuro em que todos acabam por concordar que, afinal, os carros eléctricos não vão ser tão necessários (porque “vai haver um portal em que dizemos o nome da pessoa com quem queremos falar e que nos envia até ao local onde essa pessoa está”, como descreve Beatriz), o dinheiro vai continuar a ser “o problema mais grave de todos”. Mais grave até do que a morte. “Vai haver uma poção para as pessoas não morrerem”, antevê Francisco. “É um líquido”, reforça Beatriz, “que se for bebido por uma pessoa com cinquenta anos dá a essa pessoa mais cinquenta anos para viver”. E assim, claro, contorna-se a inevitabilidade da morte, que, descreve Beatriz, “é algo muito triste porque as pessoas sentem que a família deixa de estar completa e ficam com um buraco”.

Todos de acordo mas convém não esquecer, como nota João, que “se ninguém morrer, as pessoas começam a ocupar mais e mais espaço no planeta”. “Vivem até aos 999 anos”, resolve Francisco. “Ou vão para Marte”, atalha Beatriz. Faltou na descrição deste tópico precisar que “a morte pode acontecer de duas maneiras”, segundo Samuel: “O coração pode parar ou a pessoa morre por assassinato”. Mas neste ultimo caso, lá estará o João, algemas e cassetete no coldre, a tratar de “prender os que andam a dar tiros”.

 

 

 

 
 

 

 

   

 
 

 

 

 

 

 
 

 

 

Sugerir correcção
Comentar