Dez anos depois da invasão do Senado de Coimbra, movimento estudantil “esfriou”

Os estudantes “aderem em massa às festas mas não às manifestações", diz ex-dirigente. “A combatividade foi-se esboroando”, afirma sociólogo. Os estudantes que participam na direcção-geral da AAC fazem-no “por ambição pessoal”.

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Confrontos a 20 de Outubro de 2004, em Coimbra marco mauricio / PUBLICO

Os estudantes que participaram na tentativa de invasão do Senado da Universidade de Coimbra, em 2004, dizem hoje que o movimento estudantil está “apático”, “fraco” e com pouca capacidade de mobilização.

A 20 de Outubro de 2004, estudantes da Universidade de Coimbra, após deliberação em assembleia magna, tentaram invadir o Senado da Universidade de Coimbra para impedir, sem sucesso, a fixação do montante máximo das propinas, então em 852 euros.

Após um romper de relações com a reitoria, a única forma de os estudantes impedirem a fixação da propina máxima “era invadir o Senado” e impedir a sua realização, explica Rui Roque, na altura coordenador geral de núcleos da Associação Académica de Coimbra (AAC) e senador.

Os estudantes bloquearam o acesso à Alta de Coimbra, ocuparam a reitoria e lutaram por “coisas que hoje acabam por ser menores”, notou, frisando que, de momento, as políticas são “muito mais agressivas para com os estudantes e o movimento é mais fraco”.

Hoje, os estudantes “aderem em massa às festas mas não às manifestações”, disse à agência Lusa o antigo dirigente, que se recorda de ter chegado ao local onde se ia realizar a reunião do Senado, no Polo II, e deparar-se com “polícias e barreiras protectoras”, em que os estudantes eram tratados da mesma forma: “à bastonada e pontapé”.

A invasão do Senado ganhou também força do ponto de vista simbólico, por a “Universidade de Coimbra não chamar a polícia para os seus espaços desde o Estado Novo”, frisa Rafael Figueiredo, na altura estudante de Sociologia, referindo que em 2004 a questão das propinas “era muito mobilizadora”.

“Quando a bandeira é grande — e a levantas — é mais fácil ver onde ela está”, diz, apesar de achar que, no momento actual, “face às dificuldades que as pessoas passam, haveria ainda mais razões para lutar”.

Contudo, o aumento da carga lectiva, a passagem de muitas disciplinas de avaliação final a avaliação contínua e a menor representatividade dos estudantes nos órgãos da universidade podem ter enfraquecido a capacidade de mobilização, aponta.

Na perspectiva de Elísio Estanque, sociólogo da UC, que colaborou no livro A estrutura da causa, da autoria do presidente da AAC durante a invasão do Senado, Miguel Duarte, “a combatividade foi-se esboroando”, com um “esvaziamento dos conteúdos mais politizados”.

Cumplicidades partidárias
“Há uma hiper-participação nas áreas de entretenimento e por outro lado pouco activismo”, realça, observando que os estudantes que participam na direcção-geral da AAC fazem-no “por ambição pessoal”. Pressente-se “uma cumplicidade escondida entre partidos e estudantes”.

Contudo, o esfriar do movimento estudantil passou também pela própria sociedade, pautada pelo “consumo e individualismo”.

Bruno Matias, actual presidente da direcção-geral da AAC, regista também “mais indiferença e comodismo” nos estudantes de hoje, salientando a necessidade de um “maior envolvimento” das associações a nível nacional.

Desde a invasão do Senado, “nunca mais se ouviu falar de protestos estudantis”, protesta Renato Teixeira, um dos estudantes que dias antes da invasão (13 de Outubro) participou na interrupção da abertura solene das aulas, criticando a universidade por “estar transformada numa espécie de fábrica de obedientes”.
Segundo o antigo estudante, as acções de protesto que hoje vê “roçam o ridículo”, resumindo-se a protestos “para que a jovem estrela das jotas esteja na capa do jornal”.

A invasão do Senado “foi a última grande luta”, sublinha.

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