Despesa com medicamentos inovadores mais do que duplicou desde 2011

Presidente do Infarmed fala "numa luta desigual de David contra Golias". Factura em 2011 era de 56 milhões de euros e em 2014 disparou para 142 milhões, só até Setembro.

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Novas restrições na propaganda de medicamentos Adriano Miranda

O acesso dos doentes com hepatite C aos novos fármacos para tratar a doença está garantido com a aprovação de um plano com a Gilead Sciences que prevê tratar praticamente todos os 13 mil doentes registados nos hospitais. Mas tanto o presidente da Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed), Eurico Castro Alves, como o ministro da Saúde, Paulo Macedo, alertaram que, no futuro, o Estado será cada vez mais confrontado com os elevados valores dos medicamentos que as farmacêuticas consigam aprovar. Prova disso é que a despesa do Serviço Nacional de Saúde com medicamentos inovadores disparou de 56 milhões de euros em 2011 para mais de 142 milhões em 2014, apenas com dados até Setembro.

“[A negociação] será sempre caso a caso e estamos sempre numa luta desigual de David contra Golias, sintetiza Eurico Castro Alves. “É urgente que os países da União Europeia se unam e enfrentem isto”, perante o “princípio de inferno que aí vem”, alerta. No caso da hepatite C, o Infarmed e o Ministério da Saúde ainda tentaram uma acção conjunta europeia para reduzir preços, mas que caiu por terra quando os países começaram com aprovações individuais. A ideia passava por ter como referência o preço de 800 euros para o Egipto e fazer um cálculo de acordo com o produto interno bruto comunitário, que situaria o valor por tratamento em menos de 5000 euros e muito abaixo dos 48 mil que chegaram a ser inicialmente pedidos.

O problema de que as autoridades de saúde falam espelha-se nos dados do Infarmed analisados pelo PÚBLICO. A despesa pública com os designados fármacos inovadores cresceu mais de 150% entre 2011 e 2014. Logo de 2011 para 2012 passou de 56 milhões para 74 milhões e chegou a 119 milhões em 2013. Até Setembro de 2014 atingiu os 142 milhões. Aliás, no ano passado tinham sido aprovadas até esse mês 22 substâncias activas, o que representa um salto de 215% em relação a 2013, ano em que o país se tinha ficado apenas pelas sete. Em 2012 e 2011 entraram 13 em cada ano. O atraso na avaliação e aprovação destes fármacos tem sido, aliás, motivo de crítica, apesar de os processos terem sido agora agilizados.

Para se ter uma noção de grandeza da proporção dos inovadores, nos mesmos nove meses de 2014 os hospitais do Serviço Nacional de Saúde gastaram em conjunto para todos os medicamentos necessários um total de 732,8 milhões de euros – o que mesmo assim representa uma quebra face ao ano anterior, estando só os inovadores em contraciclo. Quanto a áreas da despesa dos hospitais, a principal fatia é gasta com o VIH/sida, oncologia e artrite reumatóide, que correspondem praticamente a metade dos gastos daquelas unidades de saúde.

Recentemente, as conclusões de um estudo do think tank Pensar a Saúde - Promover e Disponibilizar a Inovação aos Cidadãos -, coordenado por Ana Escoval, da Escola Nacional de Saúde Pública, também apontavam o preço como o principal obstáculo ao acesso dos doentes a medicamentos inovadores. O trabalho, que se debruçava principalmente sobre a área oncológica, destacava ainda a demora na aprovação como outro entrave a ultrapassar. A responsabilidade por este problema era imputado às barreiras administrativas, à circunstância de os processos passarem por “estudos de avaliação económica, formulário nacional hospitalar e comissão de farmácia e terapêutica”.

No campo das soluções, propunha-se um maior envolvimento dos cidadãos nas escolhas, a definição de orçamentos específicos para os doentes e compras centralizadas. Recomendava-se também uma alteração no paradigma de relação com a indústria farmacêutica, no sentido de se acompanhar mais todas as fases, desde a investigação à entrada no mercado, que permitisse melhores decisões. Numa fase prévia, o grupo já tinha recomendado a criação de um fundo específico para financiar a inovação e que deveria contar com dinheiro tanto do Orçamento do Estado como da indústria farmacêutica – mas sempre frisando que será preciso distinguir bem as meras novidades da verdadeira inovação.

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