Desentendimentos entre Carlos Alexandre e procuradores beneficiam Ricardo Salgado

Banqueiro está desde sábado em prisão domiciliária, mas continuam por esclarecer razões pelas quais juiz preferiu vigilância policial à pulseira electrónica.

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Carlos Alexandre Rui Gaudêncio

Em prisão domiciliária desde sábado de madrugada, Ricardo Salgado pode vir a beneficiar, nas tentativas que vai fazer para ser sujeito a medidas de coacção menos graves, dos desentendimentos que têm surgido entre o juiz Carlos Alexandre e o Ministério Público no caso BES/GES.

O mais notório desses desentendimentos surgiu na sexta-feira, quando o juiz fez orelhas moucas à pretensão dos procuradores encarregues do caso, que queriam manter o banqueiro em liberdade, embora com uma caução de três milhões de euros, e decretou a sua ida para casa sem pulseira electrónica mas com polícia à porta. A decisão fundamentou-se em vários pressupostos: perigo de fuga e perigo de perturbação do inquérito e da aquisição e conservação da prova. Ao avançar sozinho para uma medida como a prisão domiciliária, sem o respaldo do Ministério Público, que dirige as investigações nesta fase do processo, Carlos Alexandre fica numa posição mais frágil do que no processo de José Sócrates, no qual as suas discordâncias com os magistrados do Departamento Central de Investigação e Acção Penal só surgiram quando estes quiseram tirar o ex-primeiro-ministro da cadeia e mandá-lo para casa, com pulseira electrónica – medida que o próprio recusou, preferindo manter-se no estabelecimento prisional de Évora.

Tivesse o caso de Ricardo Salgado sucedido há três anos e o banqueiro ainda estaria em liberdade: a possibilidade de um juiz de instrução criminal decidir agravar as medidas de coacção propostas pelo Ministério Público resulta de uma polémica alteração ao Código de Processo Penal de 2013. “Não se percebe com que fundamento é que o juiz poderá vir a aplicar uma medida diferente e que seja mais gravosa do que a pedida pelo Ministério Público, dado que o juiz só pode conhecer dos factos que servem de fundamento ao pedido, pois a sua posição de imparcialidade não lhe permite  a indagação e a aquisição de outros factos, sob pena de o próprio juiz se transformar num agente inquisidor e de investigação”, observou na altura a Ordem dos Advogados.

Seja como for, a lei só permite que o juiz possa ultrapassar o Ministério Público quando houver perigo de fuga, continuação da actividade criminosa ou perturbação da ordem pública. Se, em vez disso, estiver em causa o perigo de perturbação das investigações por parte do arguido o juiz já não pode aplicar uma medida de coacção da qual os procuradores discordem. Ora no caso de Ricardo Salgado, indiciado por crimes de burla qualificada, falsificação de documentos, falsificação informática, branqueamento, fraude fiscal qualificada e corrupção no sector privado, além do perigo de fuga - reconhecido pelo Ministério Público - só foi invocado pelo juiz o risco de perturbação das investigações. Por isso, se os advogados do banqueiro conseguirem convencer o Tribunal da Relação de Lisboa, para o qual vão recorrer, de que o seu cliente nunca teve intenção de fugir – afinal, há um ano que as suspeitas sobre ele no caso BES/GES se avolumam sem que tenha tentado abandonar o país  -, Carlos Alexandre deixa de ter motivos legais para o manter preso em casa. Caso queira jogar em mais do que um tabuleiro, a defesa do arguido pode ainda suscitar a constitucionalidade desta alteração legal que aumenta os poderes dos juízes de instrução criminal.

Continua, entretanto, por explicar por que motivo Carlos Alexandre preferiu aplicar vigilância policial a Ricardo Salgado, solução bem mais dispendiosa do que a pulseira electrónica. Um comunicado emitido pela Comarca Judicial de Lisboa aborda a matéria sem, porém, a esclarecer. “Face aos factos indiciados constantes do processo, que se encontra em segredo de justiça, o juiz de instrução entendeu (…) que o perigo de fuga apenas poderia ser afastado confinando o arguido à sua residência e respectivos logradouros”, refere a nota informativa, acrescentando que a pulseira “não é o único meio de fiscalização possível” da prisão domiciliária. “A opção pelo meio de fiscalização é da competência do juiz em apreciação das circunstâncias do caso e da gravidade e risco do perigo a debelar”, refere também.

A PSP recusa-se a dizer quantos agentes colocou a vigiar o banqueiro, alegando para isso “uma questão de princípio de natureza operacional”, mas tanto quanto o PÚBLICO apurou serão neste momento oito os polícias de Cascais e da Parede destacados para, em turnos de seis horas diárias, vigiar as entradas da propriedade onde o arguido se encontra detido – ou seja, cerca de dez por cento do contingente de efectivos das duas esquadras. Inicialmente este serviço estava afecto apenas à esquadra de Cascais. “Se esteve tipo de medida fosse aplicado a todos os casos de prisão domiciliária tinha de ser criada uma nova divisão da PSP só para estas situações”, observa o presidente da Associação Sindical dos Profissionais de Polícia, Paulo Rodrigues.

 

 

 

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