Demora na decisão sobre futuro do cão que matou bebé em Beja preocupa canil

Animal está fechado numa jaula de três metros quadrados desde o início de Janeiro, sem fazer exercício físico. O abate foi suspenso e não há data prevista para uma decisão final.

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Leis sobre cães perigosos mais duras, depois de casos como o de Beja, em que um cão matou um bebé Nelson Garrido/Arquivo

O cão arraçado de pittbull que atacou mortalmente uma criança de 18 meses em Beja, no início de Janeiro, continua alojado no canil intermunicipal da Resialentejo. O Ministério Público (MP) ainda está a investigar o caso e, enquanto isso, o animal mantém-se fechado numa jaula sem fazer exercício, o que está a preocupar os responsáveis do canil.

“O Zico está a ser bem tratado, como os outros cães, mas não está a ter um treino específico e isso preocupa-nos”, afirma António Sebastião, presidente da Resialentejo, empresa intermunicipal proprietária do canil/gatil que serve oito concelhos alentejanos, incluindo Beja. E sublinha: “O animal tem necessidade de fazer exercício físico, de sair para libertar energias e tornar-se menos agressivo, mas não temos condições para ir todos os dias dar uma volta com ele, como um dono deve fazer.”

O cão, com nove anos e de grande porte, está alojado desde 7 de Janeiro numa jaula isolada com cerca de três metros quadrados, numa ala especial para cães considerados perigosos. Foi levado para abate por decisão da veterinária municipal de Beja, depois de ter mordido na cabeça Dinis Janeiro, uma criança de 18 meses, que acabou por morrer no hospital com um traumatismo crânio-encefálico grave. No entanto, o abate foi suspenso pelo MP de Beja enquanto decorrem as investigações, que podem demorar vários meses. O PÚBLICO contactou a Procuradoria-Geral da República para fazer um ponto de situação deste caso, mas durante toda esta semana não obteve resposta.

Dono nunca visitou o cão
“A situação está igual”, afirma António Sebastião. O animal, que não pode ser adoptado, continua à guarda do MP e está a ser acompanhado pelos veterinários municipais, que têm elaborado relatórios sobre as condições em que se encontra. O dono do Zico, tio da criança que morreu, nunca foi visitar o cão, garante o presidente do canil.

Os responsáveis da associação Animal, pelo contrário, já tentaram por várias vezes visitá-lo, sem sucesso. “Foi-nos negado qualquer contacto com o animal desde o início. Desloquei-me três dias seguidos a Beja, logo no início do processo, e nunca me foi permitido ver o Zico”, lamenta Rita Silva, presidente desta associação de protecção de animais. Depois disso, solicitou ao MP uma visita, mas, mais uma vez, o pedido foi negado. “Apresentámos recurso, cuja resposta continuamos a aguardar”, afirma.

A Animal tentou também tornar-se assistente no processo, o que lhes foi negado. Apresentou novo pedido de recurso. “Não descansaremos enquanto não obtivermos uma resposta satisfatória e não conseguirmos impedir a morte deste animal”, garante Rita Silva.

Segundo António Sebastião, o canil gasta por dia cerca de 2,40 euros (até ao momento, cerca de 180 euros) com a alimentação e saúde do cão, limpeza da jaula e restantes custos de funcionamento. Questionado sobre o estado de saúde do animal, o presidente da Resialentejo diz apenas que “os veterinários estão a acompanhar e eventualmente haverá alguma situação”. Em relação à agressividade, o responsável diz que, “se não passar ninguém junto à cela, se esta não for invadida, não há problema, senão [o animal] poderá tornar-se agressivo”.

A investigação do MP deverá esclarecer as condições em que ocorreu o ataque, na tarde de 6 de Janeiro, um domingo. Segundo a descrição dos familiares, na altura, Dinis Janeiro terá entrado na cozinha onde estava o cão “às escuras”, “caiu-lhe em cima” e o animal atacou-o. A criança morreu na madrugada da terça-feira seguinte. Ao PÚBLICO, fonte do Instituto de Medicina Legal disse que a autópsia permitiu concluir que a morte se ficou a dever aos ferimentos provocados pela mordedura.

Morte não é sentença obrigatória
A veterinária de Beja, Linda Rosa, dava como certa a eutanásia, argumentando que o Zico “é um cão perigoso” por ter atacado uma criança. No dia em que foi recolhido, porém, estava “bem tranquilo e não mostrou agressividade nenhuma”.

No entanto, a morte do cão não é uma sentença obrigatória. No Decreto-Lei n.º 315/2009, de 29 de Outubro, que regula a detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos enquanto animais de companhia, lê-se que “o animal que cause ofensas graves à integridade física, devidamente comprovadas através de relatório médico, é eutanasiado através de método que não lhe cause dores e sofrimentos desnecessários”. Mas também se lê, logo a seguir, que “a decisão relativa ao abate é da competência do médico veterinário municipal” e que, caso não se opte pela morte do cão, este deve ser entregue ao proprietário, com o “requisito obrigatório” de realizar provas de socialização ou treino de obediência.

Não se sabe se o proprietário poderá ou não reaver o cão, mas é certo que poderá ser responsabilizado pelo que aconteceu.

No dia em que se deu o ataque, o tio da criança disse à PSP que o cão estava registado, mas que não tinha os documentos com ele no momento. No entanto, fonte da Junta de Freguesia de Santiago Maior, onde teria de ser feito o registo, disse ao PÚBLICO que os nomes do cão e o do proprietário não constam da lista. Essa foi, aliás, a resposta dada pela junta de freguesia ao pedido de informações do Ministério Público.

Segundo a mesma fonte, o cão não está registado nem tem seguro de responsabilidade civil, exigido por lei, destinado a cobrir os danos por ele causados. Também não está esterilizado. Além disso, a julgar pela descrição feita pelos familiares da criança, o proprietário terá falhado também no “dever especial de vigilância” do cão, exigido pela legislação, assim como nas “medidas de segurança reforçadas” nos alojamentos. A veterinária da Câmara de Beja disse ao PÚBLICO que o apartamento da família "não tem as condições necessárias" para o animal, que "dormia na cozinha e durante o dia estava na varanda".

Perante estes incumprimentos, o dono do animal pode ser multado em 500 a 3740 euros. Estes valores vão, porém, ser aumentados, segundo o novo regime jurídico de criação, reprodução e detenção deste tipo de animais, aprovado na quinta-feira em Conselho de Ministros. Tendo em conta que houve ofensas à integridade física, neste caso de uma criança, o dono do cão incorre numa pena de prisão até dois anos ou uma pena de multa até 240 dias.

Além disso, o proprietário pode ser acusado de homicídio por negligência, um crime punido com pena de prisão até três anos. Foi o que aconteceu à dona do dogue-argentino (outra raça considerada potencialmente perigosa) que atacou e matou uma criança de 20 meses no Porto, em Agosto do ano passado, recentemente acusada pelo Ministério Público.
 

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