Demissões no Garcia de Orta mantêm-se mesmo com abertura de mais camas

Administração anunciou que chegou a acordo com os chefes da urgência mas os médicos reafirmaram que mantêm a decisão até haver resultados das medidas para aliviar pressão nos serviços.

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Nas últimas semanas o hospital recebeu mais 100 doentes do que o esperado Fábio Teixeira

O período demissionário dos sete chefes da equipa do serviço de urgência do Hospital Garcia de Orta, em Almada, afinal não durou apenas 24 horas. No final de várias horas de reunião com a administração da unidade hospitalar, o presidente do conselho de administração avançou que os sete médicos recuaram na decisão que tinham anunciado numa carta, na sequência da degradação das condições de trabalho e também da excessiva lotação de doentes internados. Segundo o presidente do conselho de administração, o travão foi conseguido com o compromisso de abrirem 16 camas de internamento no prazo de uma a duas semanas e que vão permitir tratar mais 800 a 900 doentes por ano. Mas os médicos já reafirmaram ao PÚBLICO a “posição demissionária”.

As informações sobre o suposto acordo tinham sido avançadas nesta terça-feira por Daniel Ferro durante uma conferência de imprensa em que anunciou os planos do Garcia de Orta para ultrapassar o caos que se tem sentido tanto na urgência como no internamento. Porém, numa nota escrita enviada ao PÚBLICO, os sete médicos esclarecem que apenas aceitaram “participar activamente em reuniões de organização/reestruturação do Serviço de Urgência” e que a “posição mantém-se inalterada” até existirem resultados concretos.

Sobre a elevada procura, na mesma conferência de imprensa, o administrador adiantou que só nas últimas três semanas receberam mais 100 doentes do que o normal, o que obrigou a internar as pessoas em camas de cirurgia e macas, reconhecendo que o pedido de demissão surgiu na sequência da “preocupação e efeitos que este aumento de afluência e necessidades naturalmente tem gerado”. Foi neste hospital que se registaram duas das sete mortes que obrigaram à abertura de inquéritos por os doentes terem supostamente morrido na sequência de horas de espera acima do recomendado.

A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo também confirmou que o Garcia de Orta teve um aumento de afluência de 5% nas urgências nas últimas semanas e “verificou-se igualmente um acréscimo muito significativo, de cerca de 30%, do número de doentes internados a partir do Serviço de Urgência, sobretudo doentes maioritariamente idosos e com múltiplas patologias e que necessitam, por isso, de cuidados médicos diferenciados”.

Ainda sobre a pressão no internamento, Daniel Ferro disse que “esta situação atrasa o processo de transferência e transição dos doentes da urgência para o internamento”. “Onde só cabe um doente não podemos pôr dois, mas temos aproveitado todos os espaços e todas as possibilidades”, acrescentou. A libertação dos casos sociais, disse Daniel Ferro, passa por “melhorar a articulação de forma permanente com a rede de cuidados continuados e com a Segurança Social de modo a reduzir, se possível a zero, os casos de doentes com alta clínica a aguardar em internamento ou a aguardar vaga na rede de cuidados continuados ou em lares”. A situação deverá estar resolvida em 48 horas.

O administrador quer também agilizar os contactos com os centros de saúde, para os quais disse que já enviaram desde Junho 2500 doentes. O hospital conseguiu também autorização do Ministério da Saúde para contratar mais quatro a cinco médicos e cinco a seis enfermeiros que darão apoio no internamento. Porém, Daniel Ferro destacou a abertura de 16 camas como fundamental para supostamente reverter a decisão dos sete médicos. “Toda a equipa se mantém em funções e irá participar nas medidas que serão tomadas. É a garantia de que os temos envolvidos e empenhados”, disse, mas ao PÚBLICO outras fontes médicas do hospital disseram que a equipa prefere esperar, até porque os problemas na urgência são “históricos”.

As 16 camas juntam-se a outras 16 de “contingência” que foram abertas na dependência do serviço de urgência. A diferença é que as agora anunciadas serão para continuar a funcionar o ano todo. “Esta abertura é estrutural, faz sentido o internamento da área médica ser aumentado para no próximo ano não termos situações deste tipo”, justificou, garantindo que ao contrário de outros hospitais o Garcia de Orta não fechou camas em 2014.

Do lado da tutela, o ministro da Saúde garantiu que o problema no Garcia de Orta ficará resolvido nos próximos dias, nomeadamente conseguindo libertar as camas dos casos sociais e encaminhar mais pessoas para os cuidados continuados. Paulo Macedo, citado pela Lusa durante uma visita ao Hospital de São João, no Porto, reagiu dizendo que também há a possibilidade de referenciar doentes de Almada para outros hospitais e garantiu que “o hospital recrutou um conjunto muito importante de enfermeiros recentemente e está a aguardar a finalização de alguns concursos de especialidades hospitalares”.

Já o presidente da Câmara de Almada considerou que “as razões que levaram à demissão dos responsáveis pelos serviços de urgência do Hospital Garcia de Orta comprovam a falência das condições de atendimento e de trabalho nas urgências daquela unidade de saúde do concelho de Almada. Além disso, confirmam a razão dos sucessivos alertas que as populações e utentes, as autarquias locais e os próprios médicos vêm lançando publicamente ao longo de anos”.

Em Julho do ano passado, mais de 40 directores de serviço do Hospital Garcia de Orta já tinham apresentado um documento em que alertavam para situações graves na instituição, como o adiamento de cirurgias, consultas e exames por falta de profissionais e equipamentos ultrapassados. O documento foi enviado para o Ministério da Saúde, a Ordem dos Médicos, grupos parlamentares da Assembleia da República, entre outras entidades. Entre os 42 directores signatários, que representavam a Comissão Médica do Hospital Garcia de Orta, estava a ex-ministra Ana Jorge.

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