Defesa de Sócrates acusa juízes de “desprezo” pelo Estado de direito

Advogados passam ao ataque e lamentam que juízes tenham usado ditados populares na decisão de manter Sócrates preso. Acusam ainda magistrados e polícias de investigarem o ex-primeiro-ministro há dez anos, apesar de o inquérito ter sido aberto apenas em 2013.

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José Sócrates poderá vir a ter de depor sobre a sua licenciatura Fernando Veludo/NFactos

Um dia depois de o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) ter rejeitado o recurso, mantendo o ex-primeiro-ministro José Sócrates em prisão preventiva, a sua defesa decidiu passar ao ataque. Num comunicado com quatro páginas, divulgado nesta quinta-feira, os advogados João Araújo e Pedro Delille acusam aquele tribunal, e em concreto os juízes que tomaram a decisão, de “desprezo por valores e princípios elementares do Estado de direito”, entre eles o da “presunção da inocência, do direito à liberdade e a não ser preso”.

Na nota, garantem ainda que, de acordo com instruções de Sócrates, vão “impugnar, por todos os meios”, as decisões do “Tribunal Central de Instrução Criminal, do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, procurando revertê-las”.

Na segunda-feira, o Supremo rejeitou o pedido de habeas corpus interposto pela defesa e nesta quarta-feira o TRL afastou a existência de perigo de fuga, mas deu como certo o perigo de perturbação do inquérito para justificar a prisão preventiva. Os advogados consideram, porém, que, apesar de estar previsto no Código de Processo Penal, esse não é um “motivo válido” face à Carta e à Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais no direito da União Europeia”. O ex-governante está, por isso, na sua perspectiva, preso ilegalmente.

Em jeito de conclusão sobre o caminho que até agora tomou este processo judicial, e apesar de este remontar a 2013, os advogados vão mais longe do que uma mera suspeita e dizem não ter qualquer dúvida de que Sócrates está a ser investigado pelo menos há “dez anos”. Isto, apesar de o inquérito-crime ter sido aberto em 2013 e de admitirem que o momento do cometimento dos crimes continuar “envolto em manifesta indefinição” entre “os cinco anos que precederam” o “exercício de funções como primeiro-ministro e o depois”.

“Dúvidas não restam que o engenheiro José Sócrates e a sua vida pessoal, familiar e política estão sob investigação por polícias, magistrados, inspectores sortidos, jornalistas e pseudojornalistas, detectives vários, pelo menos desde a data em que se apresentou a eleições e foi eleito para ser primeiro-ministro de Portugal”, acusam.

Por outro lado, os advogados lamentam que o TRL tenha esta quarta-feira comunicado publicamente a decisão aos órgãos de comunicação social antes de ter notificado a defesa do ex-governante e consideram que a decisão representa “a ameaçadora voz do moralismo e da polícia de costumes, como sinal de uma nova Justiça” que faz jubilar o pseudojornalismo dos tablóides, mas que o direito democrático dos países civilizados há muito havia condenado”.

Em causa estão algumas passagens da decisão dos juízes desembargadores que, de acordo com o jornal i, classificam como inaceitável o argumento de que os movimentos de milhões entre o empresário Carlos Santos Silva e Sócrates se justificam apenas por uma questão de amizade. Alertam ainda que ter uma vida de luxo com poucos rendimentos deve dar origem a uma investigação. “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, dizem os juízes.

O recurso a ditados populares, frequentemente usado noutros casos para ilustrar regras de experiência comum empíricas e acessíveis aos cidadãos, não foi bem recebido pela defesa do ex-governante.

 “A decisão dos dois senhores juízes desembargadores que julgaram o recurso para confirmarem factos e indícios deles e para manter a prisão preventiva de um cidadão não é mais do que uma mistura de anexins, de franjas de prova, de probabilidade de indícios, de presunções lícitas, de rabos de gato, de cabras e de cabritos, das inevitáveis mulheres de César e de outras razões de semelhante juridicidade”, apontam. 

Para os advogados, até agora “nem um só facto ou acto concreto” foi imputado ao ex-primeiro-ministro que “possa, ainda que indiciariamente, configurar qualquer tipo de crime.

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