Papa reforça peso das igrejas periféricas ao nomear 15 novos cardeais eleitores

D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa, vai receber o barrete cardinalício em Fevereiro. Cabo Verde é um dos países que terá pela primeira vez um cardeal.

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Adriano Miranda

Francisco deu mais um passo para imprimir o seu cunho no trajecto que quer para a Igreja Católica ao anunciar neste domingo a nomeação de 20 novos cardeais. Dos 15 que têm menos de 80 anos, e que por isso poderão participar no conclave que elegerá o próximo Papa, nove são oriundos de países em desenvolvimento, três dos quais nunca tinham antes tido um representante no colégio cardinalício. Um desejo de ir ao encontro das periferias – e não apenas as geográficas – que sublinha ao escolher também bispos de dioceses mais pequenas, esquecidas ou flageladas pela violência e as desigualdades.

Os 15 novos eleitores “são oriundos de 14 países de todos os continentes, o que sublinha a ligação indissolúvel entre a Igreja de Roma e as igrejas particulares presentes no mundo”, disse Francisco durante a oração do Angelus, na Praça de São Pedro, ao anunciar, pela segunda vez no seu pontificado, os bispos a quem entregará o barrete cardinalício.  

Entre eles está D. Manuel Clemente, patriarca de Lisboa desde Maio de 2013, e Arlindo Gomes Furtado, bispo de Santiago de Cabo Verde, uma das dioceses mais antigas de África, mas que nunca tinha tido um cardeal. Além de Cabo Verde, o Papa escolheu também um representante de Tonga, pequeno arquipélago no Pacífico, e outro da Birmânia, país de maioria budista onde os católicos representam apenas 1% da população, mas onde o novo “purpurado”, o arcebispo de Rangum, Charles Maung Bo, se tem assumido como uma das vozes mais respeitadas no apoio ao processo de transição política.

“O critério mais evidente [destas nomeações] é a universalidade”, confirmou o porta-voz do Vaticano, sublinhando o facto de não ter sido incluído na lista nenhum prelado dos Estados Unidos ou do Canadá “que já têm um número significativo” de presenças no colégio cardinalício. Mas o padre Frederico Lombardi podia também ter citado o caso da Europa que tem, de longe, o maior contingente de cardeais eleitores, mas que só foi contemplada agora com cinco nomeações (para um total de 57).

“Francisco é o primeiro Papa jesuíta e é o primeiro que vem da América Latina. Ele percebe que a Igreja é universal e, por isso, o mundo tem de estar representado de forma plural e a partir das periferias”, disse ao PÚBLICO o teólogo Anselmo Borges. O padre Tolentino de Mendonça concorda, explicando que as escolhas de Francisco demonstram “um esforço muito grande para reconhecer as realidades muito diferentes da Igreja”, trazendo “bispos pastores que representam o mundo na sua vastidão”, ou que estão à frente de dioceses mais pequenas ou que nunca tiveram um cardeal.

À excepção de Lisboa, Francisco não incluiu na lista outros titulares de “sedes cardinalícias”, dioceses que pela sua dimensão ou importância histórica são habitualmente lideradas por cardeais. Voltou a manter Veneza ou Turim em lista de espera, privilegiando dioceses em expansão (caso de Hanói, no Vietname), situadas em países pobres (como a de Addis Abeba, na Etiópia) ou cujos dirigentes levantam a voz para denunciar a violência, caso do novo cardeal Alberto Suárez Inda, arcebispo de Morelia, situado num dos estados mexicanos mais massacrados pelo narcotráfico. Mesmo os dois italianos da lista vêm das “periferias”: Francesco Montenegro é arcebispo da diocese siciliana de Agrigento e lidera o grupo de prelados italianos que coordena a resposta aos desafios das migrações; Edoardo Menichelli, arcebispo de Ancona, é conhecido pelo seu estilo pastoral e dedicação aos mais pobres.

Em busca de um legado
Nas “notas” que distribuiu depois do anúncio papal, Lombardi sublinha que apenas um dos novos cardeais, o francês Dominique Mamberti, ocupa uma posição na Cúria, o governo da Santa Sé que o Papa se comprometeu a reformar e que, em vésperas de Natal, foi presenteada com um discurso em que Francisco lhe apontou os males do carreirismo, do apego à burocracia e à má-língua.

“Nomear novos cardeais antes de a reforma estar concluída não faria sentido”, escreveu Thomas Reese, padre jesuíta e analista do jornal National Catholic Reporter, que numa antevisão do anúncio papal afirmava que os nomes a revelar neste domingo “poderiam ser determinantes para perceber se o pontificado de Francisco é um episódio ou um ponto de viragem na História da Igreja”. Caberá ao colégio “determinar se o seu legado será duradouro quando for chamado a escolher um sucessor”, sublinhou Reese.

Em dois anos, Francisco nomeou já 31 cardeais eleitores, quase um terço dos 125 que estão actualmente em condições de eleger, entre um deles, o próximo Papa e uma dúzia completará 80 anos (a idade limite para participar no conclave) até 2016. “Ele sabe que vai estar à frente da Igreja mais uns dois ou três anos. Está pois, de alguma maneira, a preparar a sua sucessão”, diz Anselmo Borges, acreditando que, ao reforçar o peso de África, da Ásia e da América Latina, Francisco está a fomentar “uma Igreja descentralizada e representada de forma universal.”

Mas a função dos cardeais não se esgota na escolha do futuro ocupante do trono de São Pedro. São, enquanto membros do colégio cardinalício, conselheiros que o Papa pode consultar para os mais vastos assuntos – Francisco anunciou neste domingo que irá reuni-los em consistório a 12 e 13 de Fevereiro para discutir a reforma da Cúria. John Allen, vaticanista e correspondente do Boston Globe, diz que entre os 15 nomes “há um conjunto de destacados moderados e nenhum com clara reputação conservadora”. Uma tendência que não espanta Anselmo Borges: “o Papa quer ter o apoio de cardeais que estejam na linha de revolução que ele quer operar dentro da Igreja”. Já o padre Tolentino de Mendonça diz que não faz sentido uma “divisão entre conservadores e progressistas a este nível”. “A realidade do mundo em si é tão diversa. Do que se trata aqui é pôr a falar entre si realidades diferentes, entre o centro e a periferia.”
 

   

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