Crise está a transformar negócio dos lares de idosos

Segurança Social mandou encerrar 79 lares este ano, 22 deles com carácter de urgência. O Governo garante que muito em breve vai sair legislação para responsabilizar os familiares que abandonarem e maltratarem os idosos.

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Em Portugal, os cuidadores são maioritariamente mulheres de meia-idade Dário Cruz

É um novo cenário criado pela crise. Nos lares de idosos das misericórdias, há filhos que retiram os pais para os levarem para casa e outros que deixam de pagar a parte que lhes cabe na mensalidade e não voltam a aparecer. E, nos lares privados, há familiares que transferem os idosos para instituições do sector social ou para lares clandestinos.

As queixas dos responsáveis dos lares das misericórdias e outras instituições particulares de solidariedade social multiplicam-se e, embora ninguém consiga contabilizar o fenómeno, há já quem avise que não vai ser possível aguentar durante muito tempo a situação. “Os filhos dizem que têm de ir buscar os pais porque ficaram sem qualquer tipo de rendimento”, explica Eugénio Fonseca, da Cáritas portuguesa. Notando que a família é o “lugar natural” dos idosos e que o regresso a casa até poderia ser a solução ideal, Eugénio Fonseca lamenta que a retirada dos mais velhos se fique a dever quase sempre a problemas financeiros. “O que temo é que eles percam as condições de que usufruíam nos lares. E quem é que controla isto?”, pergunta, defendendo a criação, em cada concelho, de uma comissão de protecção de idosos.

“Não temos muitos casos desses [retirada dos lares]. O que sentimos é uma diminuição muito significativa da comparticipação dos utentes”, diz o padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade. “Há instituições que estão a ficar no fio da navalha. Só a generosidade da comunidade tem permitido aguentar a situação. Não sei é até quando.”

“O fenómeno do abandono sempre existiu, mas a crise agudizou o problema”, sintetiza Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas, as instituições onde este fenómeno mais se faz sentir. Já há lares do sector social com vagas, diz, algo que seria impensável há alguns anos (ver entrevista).

“Nos últimos anos, algumas famílias têm ido buscar os idosos aos lares como forma de sustento e esse facto pode ser muito problemático”, acentua a assistente social e especialista em Gerontologia Maria Irene Carvalho. “A evidência demonstra que a violência aumenta quando os cuidadores dependem financeiramente das pessoas que tratam. Os direitos destas pessoas podem estar em risco.” Outro problema é que, “em tempos de crise, as casas clandestinas aumentam e há muita gente que faz disto o seu modo de vida”. “A Segurança Social tem que fiscalizar o que está a acontecer”, advoga.

Clandestinos proliferam
Os lares de idosos têm-se multiplicado como cogumelos um pouco por todo o país. Com a crise, o cenário tornou-se ainda mais complexo: lares de instituições particulares de solidariedade social, que, além das camas subsidiadas pela Segurança Social, têm quartos para alugar a preços de mercado, concorrem actualmente com os chamados lares lucrativos e com estabelecimentos clandestinos – que, garante quem está no terreno, estão a proliferar de uma forma nunca antes vista.

Aparentemente, os dados oficiais do Instituto da Segurança Social (ISS) não parecem apontar para um agravamento da situação. Este ano, até 13 de Dezembro, as 586 acções de fiscalização efectuadas conduziram ao encerramento de 79 lares, sensivelmente o mesmo número do ano passado (84). Mas há um número que indicia que as condições poderão estar a piorar: deste total, 22 foram fechados, com carácter de urgência, mais do dobro do que tinha acontecido no ano passado (10). O encerramento urgente é determinado em “situação de perigo iminente para os direitos ou qualidade de vida dos utentes”, explica o ISS, que no ano passado fez muito mais inspecções (813).

Quem não tem dúvidas de que a situação está a agravar-se é João Ferreira de Almeida, presidente da Associação de Apoio Domiciliário de Lares e Casas de Repouso de Idosos (ALI), que não se cansa de criticar a actuação da Segurança Social face à proliferação de instituições clandestinas, onde calcula que vivam actualmente mais de 20 mil idosos. “Há quem seja obrigada a fechar e pouco tempo depois volte a abrir. Este é um mundo kafkiano”, diz.

Actualmente, as famílias também “adiam ao máximo” a ida dos mais velhos para os lares. Resultado? “Há muitos estabelecimentos a diminuir mensalidades e a despedir pessoal para ver se aguentam o barco”, diz o presidente da ALI. Ferreira de Almeida põe ainda em causa o facto de também os lares das IPSS concorrerem com os privados, quando beneficiam de isenções fiscais e de financiamentos comunitários para a construção de equipamentos, por não terem fins lucrativos. “Enquanto os lares sociais captam pessoas com capacidade financeira e se dedicam a quem tem mais, nós estamos cheios de idosos com muitas dificuldades para conseguir pagar as mensalidades”, descreve, enquanto diz que não há quem monitorize a situação.

“O Estado delega nas instituições sociais várias respostas e depois fica dependente. O lobby das instituições sociais é muito forte”, justifica.

Marina Lopes, que criou o site Laresonline, conhece bem esta realidade. Quando, no início deste ano, fez uma pesquisa para tentar encontrar lares com mensalidades até 500 euros, sem sucesso, percebeu que havia estabelecimentos lucrativos, afastados dos grandes centros urbanos, a cobrar mensalidades mais baixas do que era usual – à volta de 750 euros. Um valor inferior aos custos reclamados pelos lares do sector social, que podem ficar com até 85% da reforma do idoso, mais 355 euros da comparticipação da Segurança Social, tendo os familiares que suportar a parte que falta até ao total de 938 euros, que é o custo calculado por idoso.

“Esta é uma área extremamente complexa. Há lares do sector social que têm camas reservadas para a Segurança Social, camas com acordos de comparticipação da Segurança Social e ainda camas privadas, algumas com custos superiores às dos lares lucrativos, o que é estranho, porque teoricamente não existem para ter lucro”, diz. Quanto ao problema dos clandestinos, Marina Lopes acredita que o Estado “não vai resolver o problema porque não tem onde colocar estas pessoas”.

O Governo já prometeu avançar com legislação para combater estes problemas. Admitindo que os actuais valores das coimas “não dissuadiam repetidas infracções”, o gabinete do ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social adiantou ao PÚBLICO que, “muito em breve”, vai ser publicada legislação “para responsabilizar quem abandone idosos e pessoas adultas em situações de dependência”, e um diploma que aumentará de forma significativa as sanções pecuniárias, que não eram revistas há 16 anos. “Este diploma vai garantir que a prática deste ilícito não é compensatória e, acima de tudo, vai punir as reincidências”, acredita o responsável do gabinete de Pedro Mota Soares. Funcionará ainda “como um claro elemento dissuasor da prática de ilícitos, em particular do exercício da actividade sem licenciamento para as situações de negligência e maus tratos sobre idosos”.

Até 31 de Outubro deste ano, a Segurança Social tinha 1406 acordos de cooperação, correspondentes a 53.300 vagas comparticipadas em lares e residências para idosos. A sua despesa, em 2012, ascendeu a 250 milhões de euros.

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