Criação de falsos perfis nas redes sociais para difamar no topo das queixas de cibercrime

Mais de um milhar de denúncias destas por ano têm chegado às autoridades. E a tendência é para crescerem.

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Centenas de queixas de falsos perfis criados nas redes sociais chegam todos os anos à Justiça Kacper Pempel/Reuters

Seria um namoro sem história, não tivesse terminado com uma pena de prisão de dois anos e cinco meses, suspensa, e na obrigação de Miguel pagar a Isabel (nomes fictícios) uma indemnização de 5400 euros e de se manter afastado da ex-namorada e da sua família. Tudo começou em Agosto de 2011, quando Isabel pôs um ponto final num relacionamento de quatro anos. Miguel não gostou e multiplicou-se em telefonemas. Primeiro tentou convencê-la, depois passou a ameaçá-la. Se não voltasse, Miguel difundiria pela Internet fotografias de Isabel nua e vídeos de cariz sexual que tinham realizado durante o namoro. Isabel não cedeu e Miguel cumpriu a ameaça.

Esta é uma das centenas de queixas de falsos perfis criados nas redes sociais, neste caso no Facebook, no Orkut e no Messenger, com o intuito de difamar, que chegam anualmente às autoridades judiciais. E, segundo o relatório do Gabinete de Cibercrime relativo ao ano passado, é a denúncia mais frequente nesta área. “É crescente o número de queixas relatando situações em que alguém cria um perfil com o nome de outra pessoa, tendo em vista injuriá-la, difamá-la ou relatar factos da sua vida privada ou denegridores da sua imagem”, lê-se no documento divulgado recentemente na página da Procuradoria-Geral da República.

Não existem estatísticas sobre as queixas, já que os processos não são registados como criação de falsos perfis nas redes sociais (o que em si pode não ser crime), mas como injúria/difamação, devassa da vida privada por meio informático, falsidade informática e divulgação ilícita de fotografias ou filmes. Mas o procurador Pedro Verdelho, coordenador do Gabinete de Cibercrime, garante que podemos falar sem problemas em muitas centenas de casos, que ultrapassam com certeza o milhar. Isto, apesar das “brutais cifras negras” neste tipo de criminalidade, com muitas das vítimas tomadas pela vergonha de admitir que foram enganados de forma grosseira ou traídas por alguém próximo.

Além da criação de falsos perfis, abundam igualmente as queixas por difamação contra autores de blogues devido a textos que estes escreveram ou a comentários de terceiros que publicaram. As burlas em compras na Internet também são frequentes, com muitos cidadãos a denunciar compras online que não lhes são entregues. Também recorrente é o designado phishing, uma fraude electrónica que passa pela recepção de um email de uma pessoa ou empresa confiável que leva a vítima a disponibilizar aos criminosos senhas, números de cartões de crédito e outros dados pessoais que possibilitam a estes  últimos realizar compras ou transacções financeiras em nome daquelas.

Acesso ilegítimo
A Polícia Judiciária (PJ) contabilizou, no ano passado, 4400 inquéritos abertos por burlas informáticas e em comunicações e 450 casos de acesso ilegítimo, por exemplo, a emails ou a contas bancárias online. Estes últimos casos subiram 4,6 % face a 2012 e as burlas sofreram uma diminuição de 2,2% relativamente ao mesmo período.

As dificuldades nestas investigações são reconhecidas tanto pelo Ministério Público como pela PJ. A falta de formação dos magistrados cria problemas na compreensão dos conceitos e das regras de obtenção da prova digital e até na delimitação do objecto das perícias informáticas necessárias para cada caso. A falta de meios não ajuda: há perícias que chegam a esperar dois anos para arrancar. A isto alia-se a dificuldade de identificar o criminoso, que utiliza sites ou sistemas sediados em países estrangeiros, o que obriga a pedir a cooperação internacional. Esta é, muitas vezes, demasiado demorada para investigar crimes com prazos de prescrição baixos, que podem ficar pelos dois anos.

“Nos Estados Unidos não existem crimes de honra como a difamação ou a injúria, por isso, nestes casos, se o site estiver alojado naquele país e os seus responsáveis não quiserem colaborar na investigação, não é possível fazer um pedido de cooperação”, exemplifica o procurador Pedro Verdelho, que lamenta ainda a demora das perícias. “Neste momento, a PJ não tem capacidade para tudo”, afirma. Mas mesmo que o endereço de IP (que permite localizar o computador numa rede) que criou um falso perfil no Facebook seja identificado, tal não significa que se consiga encontrar o autor do crime. É que o computador pode estar num local público, como uma biblioteca ou um cibercafé, com muitos utilizadores e sem registos de cada uso.

O director nacional adjunto da PJ, Pedro do Carmo, admite que nos últimos anos se tem assistido a um aumento exponencial dos pedidos de perícias informáticas, mas desvaloriza a falta de meios. “Parece-me mais necessário sensibilizar os magistrados para que os pedidos de perícias sejam acompanhados dos requisitos que delimitem a matéria que se quer ver esclarecida. Não faz sentido pedir uma peritagem a um computador inteiro se só se pretende saber se um determinado email foi enviado daquela máquina”, remata.

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