Crato não ganhou os professores nem a opinião pública

Ainda é cedo para avaliar os resultados de medidas como a alteração de currículos e de programas, mas já é claro que não foi graças à Educação que o Governo ganhou popularidade.

Foto
O discurso de exigência e de rigor contrastou com a demonstração pública de erros e omissões Daniel Rocha

Nuno Crato, o ministro que nos últimos quatro anos tomou conta da pasta da Educação, não teve cem mil professores a gritar pela sua demissão, um feito de que a antiga ministra de José Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues, continua a ter o exclusivo. Mas nem por isso é de crer que deixe saudades na classe docente ou que possa vir a gabar-se de que ganhou a opinião pública graças ao que fez no ensino básico e secundário ou pelo que avançou a nível do superior.

Naturalmente que a conjuntura não seria favorável a qualquer Governo. Os cortes no financiamento, bem como o aumento da burocracia e a perda de autonomia que alegadamente resultaram dos procedimentos de controlo de despesa, tornaram-se motivo de queixas recorrentes de quem dirige as escolas e as instituições do ensino superior. E a redução progressiva do número de alunos (devido à quebra na natalidade), a par com a necessidade de “racionalizar recursos”, assegurou um clima de tensão permanente entre o ministério e os sindicatos.

Ainda assim, o que nestes quatro anos mais desgastou a imagem do ministro não esteve directamente ligado às exigências do programa de assistência financeira, mas, sobretudo, ao contraste entre um discurso político de exigência e de rigor e a demonstração pública de erros e omissões.

Exemplos: as principais bandeiras deste Governo para o ensino superior eram a revisão do modelo de financiamento e a reorganização da oferta da rede pública. A primeira ainda está ser debatida, quando já devia estar a ser implementada. Da segunda, a única medida concreta que se conhece é a oferta de cursos técnicos superiores especializados, com duração de dois anos, que estão a ter um arranque difícil – foram ocupadas pelos alunos pouco mais de 10% das cerca de 3000 vagas disponíveis.

Quanto aos erros, o mais flagrante foi o que resultou no atraso na colocação nas escolas dos professores, há um ano. Teve que ver com um engano numa fórmula matemática e o impacto público foi imenso, não tanto por ter afectado os mais frágeis dos elementos da classe docente (aqueles que estão a contrato), mas, principalmente, por ter deixado em casa milhares de crianças, fazendo transbordar o caos das escolas para a vida de muitas famílias.

Algo de semelhante se passou com os exames, que Nuno Crato introduziu no 4.º ano e no 6.º, e com o teste-diagnóstico de Inglês, obrigatório no 9.º. Também aqui os inconvenientes se fizeram sentir em casa. Mesmo os pais que por princípio concordavam com as provas acabaram a fazer coro com os professores e com os dirigentes escolares, que sem qualquer sucesso têm vindo a alertar para as consequências negativas do momento escolhido pelo Governo para as realizar – em Maio.

O ministro justifica a opção com a necessidade de oferecer uma oportunidade de recuperação às crianças, após a primeira fase de exames. Os pais queixam-se de que o calendário não só perturba quem faz as provas (já que a matéria de um ano é leccionada em menos tempo) como rouba vários dias de aulas aos colegas (uma vez que muitas das escolas fecham, às vezes perto de uma semana). Pontualmente, as provas, naquela altura, ainda fazem com que alunos fiquem sem alguns dos professores, que nas semanas seguintes são chamados a exercer funções de classificadores.

De uma forma mais geral, pode dizer-se ainda que Crato deixa os alunos com menos disciplinas (depois de uma revisão curricular contestada pelos professores); com Inglês a partir do 3.º ano (uma opção aplaudida pelo Conselho Nacional de Educação); com novos programas e metas em várias áreas (que indignaram as respectivas associações profissionais); com mais alunos no ensino profissional e vocacional; e com um número superior de agrupamentos de escolas. 

Além disso, desvinculou da falta de oferta nas escolas públicas o financiamento pelo Estado de turmas nas escolas privadas, que passa a ser feito independentemente desse critério e em nome da liberdade de escolha. Também abriu caminho à municipalização das escolas, que no próximo ano lectivo entra em fase de projecto-piloto. 

O Ministério da Educação acredita estar já em condições de avaliar os efeitos, no terreno, de algumas das mudanças. Há pouco mais de uma semana defendeu, por exemplo, que a queda do número de estudantes que desistiram ou chumbaram em 2013/2014 se deve às medidas implementadas nesta legislatura, como a instituição do tal período de acompanhamento extraordinário depois de serem conhecidos os resultados da primeira fase de exames. As associações de professores e de pais, contudo, têm mostrado desconfiança em relação às possibilidades de recuperação de quatro anos num mês; e temor de que a passagem na segunda fase (com um exame que passa a valer 100%) resulte no adiamento do insucesso, se no ano seguinte não forem garantidos os apoios que consideram indispensáveis.

No plano sindical, viveram-se quatro anos de guerras intensas. Por causa da ainda polémica Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades, que primeiro se destinava a todos os professores contratados e passou a ser exigida apenas a docentes com menos de cinco anos de serviço, por exemplo; ou devido às ameaças da mobilidade especial dos professores que estavam sem actividade lectiva e que chegou a motivar uma greve à vigilância dos exames nacionais. 

Mesmo a integração nos quadros de milhares de docentes contratados, de que o ministério de Nuno Crato se orgulha, está a ser tudo menos pacífica. As regras impostas, que limitam a entrada no quadro a professores que nos últimos anos tiveram contratos anuais e sucessivos e estiveram a dar aulas aos mesmos grupos de disciplinas, permitiram ultrapassagens consideradas injustas por professores com muitos anos de serviço que não cumpriam um ou outro critério. E este é apenas um dos problemas relacionados com os concursos que já estão a decorrer e que os sindicatos têm vindo a denunciar.

A possibilidade de eles explodirem em plena campanha eleitoral não deixará de ser uma preocupação para o Governo, que já fez deslizar para dia 21 de Setembro a data limite para o arranque das aulas. Segundo o MEC, a medida teve como objectivo equilibrar a duração dos períodos lectivos. Os sindicatos acreditam que aquela foi uma forma de tentar assegurar que os professores chegam às escolas a tempo, ainda que se repitam problemas nas colocações.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários