Crato isolado por universidades e politécnicos por causa do Orçamento

Reitores anunciam corte de relações e presidentes dos institutos solidarizam-se com a posição. Governo diz que ensino superior não podia ficar à margem da austeridade.

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O discurso de exigência e de rigor contrastou com a demonstração pública de erros e omissões RUI GONçALVES/NFACTOS

A falta de abertura do Governo para mitigar os cortes previstos no Orçamento do Estado (OE) no ensino superior está a criar uma tensão sem precedentes entre os representantes do sector e o Ministério da Educação e Ciência (MEC). Os reitores anunciaram um corte de relações inédito com a tutela, uma posição que é entendida pelos presidentes dos politécnicos. Nuno Crato partilha responsabilidades com o executivo, mas lembra que o sector não podia ficar de fora da contenção nacional.

Aos cortes no financiamento do Estado ao ensino superior, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) respondeu com um corte de relações com o Governo, anunciado ontem. Os reitores não vão continuar a comunicar com a tutela sobre o OE, suspendendo também a sua participação na reorganização da rede do sector, processo do qual dizem estar a ser afastados.

“A actual proposta de OE constitui uma total alteração aos pressupostos acordados na reunião realizada entre o MEC e o CRUP em Agosto”, sublinham os reitores, que acusam o Governo de quebrar os compromissos assumidos. A esta situação junta-se uma “absoluta e inédita” falta de disponibilidade da tutela para explicar o valor dos cortes posteriores.

Os reitores reuniram-se ontem, em Braga, num encontro em que o presidente do CRUP, António Rendas, pediu a demissão do cargo devido ao desgaste provocado por esta tensão com o Governo. E nem o apoio dos restantes reitores o demoveu, ainda que mantenha a abertura para encontrar uma solução para a liderança daquele organismo.

No início do mês, quando estiveram na Comissão Parlamentar de Educação, os reitores já tinham exigido várias alterações ao OE, que destina menos 4% de verbas do que no ano passado para o ensino superior, um valor claramente superior aos 1,5% inicialmente anunciado. A esse corte inicial de 30 milhões de euros, o OE acrescentaria uma redução de outros 30 milhões de transferências, se for tida em conta a redução salarial para os trabalhadores em funções públicas. A este junta-se um problema que vem do Orçamento Rectificativo para o ano anterior, com uma cativação de 2,5% das receitas das universidades.

Ao final do dia, os reitores receberam a solidariedade do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), cujos membros dizem “compreender a tomada de posição” do CRUP. “Também sentimos as mesmas dificuldades, já que não somos ouvidos nem envolvidos nas decisões do MEC”, diz o órgão presidido por Joaquim Mourato. O CCISP vai, no entanto, manter o diálogo com o Governo, devendo solicitar hoje uma reunião com o secretário de Estado do Ensino Superior com carácter de urgência para discutir os problemas do sector.

A sintonia entre universidades e politécnicos isola o MEC, numa altura em que os cortes para o sector que estão previstos no OE estão a ser alvo de forte contestação. Ontem, centenas de estudantes protestaram em Lisboa (ver caixa), no mesmo dia em que a Fenprof começou uma semana de luto. Hoje, o Presidente da República e a presidente da Assembleia da República recebem um apelo contra os cortes orçamentais às instituições do ensino superior subscrito por cerca de uma dezena de instituições, entre as quais os sindicatos Fenprof e FNE e várias associações de estudantes.

O MEC mostra-se surpreendido com o “corte de relações” anunciado pelos reitores, classificando a decisão como “inesperada”. Em comunicado, o ministério liderado por Nuno Crato afirma que mantém a disponibilidade para dialogar com os responsáveis do ensino superior e abre a porta a “modulações” na aplicação das novas regras de contratação da função pública a este sector.

Sem explicar em contrato o que poderá ser feito, o MEC avança que o impacto dessas medidas em cada instituição “será modulado no decorrer da execução orçamental de 2014, tendo em conta as necessidades reais e os incentivos necessários à boa execução”.

No mesmo documento, Crato faz a defesa da posição do seu ministério no processo de negociação do OE do próximo ano, dizendo ter mantido “um longo diálogo” com o CRUP, acabando por partilhar responsabilidades pelas mudanças introduzidas ao documento com o resto do Governo. “Não foram nem poderiam ser assumidos quaisquer compromissos, uma vez que a proposta final é elaborada em Conselho de Ministros e submetida à Assembleia da República”, sublinha o MEC, assegurando que foi necessário tomar medidas adicionais transversais a toda a função pública na fase final do desenho do OE, das quais as universidades não podiam ficar isentas.

Entre 2005 e 2012 houve um corte de 20% no financiamento do Estado ao ensino superior, a que se juntou mais 5% no último ano. De resto, o orçamento para as universidades já está abaixo dos 700 milhões de euros anuais. Segundo o último relatório da OCDE sobre o sector – Education at a Glance 2013, publicado no Verão –, a despesa com o ensino superior em Portugal corresponde a 1,5% do PIB, 0,1 pontos abaixo da média da OCDE. Deste valor, 69% são assegurados por fundos do Estado, sendo os restantes financiados por privados, sobretudo as famílias, que representam quase um quarto desse valor. Portugal é um dos países em que as famílias dão um maior contributo para as despesas com a educação superior.

Estudantes denunciam dificuldades crescentes
Terão sido entre duas e três dezenas de estudantes do ensino superior que ontem desfilaram pelas ruas de Lisboa num protesto contra os cortes no financiamento das universidades e politécnicos. Com o Orçamento do Estado para o próximo ano prestes a ser aprovado com novos cortes, os estudantes denunciaram as dificuldades crescentes que têm levado centenas de jovens a ficarem à margem do ensino superior.

A fase final do protesto, junto Assembleia da República, acabou por ser marcada por alguma tensão. Um dos estudantes atravessou as grades que separavam os manifestantes da escadaria que dá acesso à fachada principal do edifício, tendo sido detido pelos agentes da PSP presentes no local. Segundo a agência Lusa, o jovem levava consigo um livro que acabou por ficar caído nos degraus e que os colegas dizem ser uma edição da Constituição da República.

Os estudantes receberam o apoio dos deputados dos partidos mais à esquerda no hemiciclo, que se aproximaram do protesto para o saudar. Rita Rato, do PCP, classificou como “justíssima” a luta daqueles jovens, lembrando que o seu partido voltou a propor o fim das propinas e o reforço da acção social escolar, por exemplo. Já Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, mostrou apoio “contra um orçamento que nós consideramos que vai aniquilar o serviço público de educação e as universidades”.
 

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