Conselhos para a geração do PISA

Se eu puder dar-vos uma sugestão, poderia ser aquilo que ainda falta em Portugal: a ideia de que fazer do ensino vocação e profissão é uma coisa boa que deve ser valorizada.

Chegou a altura de passar o testemunho da geração mais qualificada de sempre. Não foi fácil lá chegarmos. Nos primeiros tempos, ficámos conhecidos como a geração rasca; passado uns anos, éramos a “terra queimada” no ensino secundário. Os nossos amigos do futebol ficaram logo conhecidos como a Geração de Ouro. Mas a nossa travessia do deserto foi longa; lembro-me de colunistas — até nestas páginas — que menosprezavam a política da “paixão pela educação” e de outros que tomavam como fasquia da sabedoria preservar sem alterações os currículos que tinham tido no seu tempo. Para esses, a “Geração Mais Qualificada de Sempre” foi conquista que se obteve enquanto se mostravam preocupados mas estavam na verdade distraídos.

Mas chega de passado. A última coisa de que vocês precisam — e agora falo convosco, com a Geração do PISA que vai daqui a uns anos ser a nova “ainda mais qualificada de sempre” — é de um tipo mais velho a dizer-vos como foi complicado no tempo dele. É mais interessante, se este texto chegar às vossas mãos e aos vossos olhos, ir para fim-de-semana com meia-dúzia de notas mal-amanhadas sobre o futuro. Vocês é que saberão o que fazer com elas.

A primeira é nitidamente pirosa. Conheço muitos de vocês, e o primeiro conselho que tenho a dar-vos é que não deixem de ser como são: curiosos, imaginativos, inquietos. Pode parecer idiota, mas isso é para quem ainda não se deu conta que não há coisa mais difícil e a precisar de atenção mais constante do que sermos fiéis a nós mesmos.

Vocês vão precisar de toda a vossa curiosidade, imaginação e inquietude quando chegarem à Universidade. Usem as vossas qualidades para exigir à Universidade portuguesa que se recicle — a geração que vos precedeu já chegou à meia idade e na maioria dos casos ainda não a deixaram passar do estatuto de bolseiro de investigação — mas acima de tudo façam uma aposta com vocês mesmos: a sociedade dá-vos condições para chegarem aos 25 anos na crista da onda daquilo que a humanidade fez de melhor nos últimos 25 séculos, nas áreas em que vocês escolherem. É um privilégio imenso. Aproveitem.

A seguir, desconsiderem a vitimização portuguesa. Vocês sabem que é possível ser tão bons como os melhores mas vai provavelmente surpreender-vos que haja tanta gente nas nossas elites a sugerir que Portugal precise de se virar para dentro. Isso acontece por uma razão simples: manter o país pequeno é a maneira fácil de quem estar no topo ficar no topo. No nosso país são as elites que são provincianas, ao passo que o povo — da Murtosa a Newark, da Baixa da Banheira ao Rio de Janeiro — é mais cosmopolita. Recentemente, a classe média-alta passou a ver que os seus filhos também emigravam como os filhos dos pobres. Se continuarem a discutir mais a última trica partidária do que a informarem-se a sério sobre a Europa e o mundo, é possível que vos estejam a fazer a partida ainda mais forçada e o regresso mais impossível.

Mas talvez não seja necessário sermos demasiado duros. Afinal foram esses políticos e esses professores e esses pais e mães que, com mais ou menos desaguisados, mantiveram o sentimento de que a educação era como pão para a boca no nosso país. Outros países podem ter estado mais preocupados em discutir qual é a melhor forma de se ser mais intolerante com os estrangeiros, ou como a nossa raça, religião e orientação sexual, se nos devem dividir e não aproximar. Portugal não perdeu demasiado tempo com isso, e essa foi também a vossa sorte. Mantenham-na assim e acrescentem-lhe qualquer coisa. Se eu puder dar-vos uma sugestão, poderia ser aquilo que ainda falta em Portugal: a ideia de que fazer do ensino vocação e profissão é uma coisa boa que deve ser valorizada. Dêem um obrigado aos vossos professores e professoras e, se vos apetecer — mas só se vos apetecer mesmo, ok? —, digam-lhes que um dia gostariam de ser como eles.

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