Rapaz acusado de abuso sexual de menina cigana não vai para a cadeia

Tribunal de Aveiro condena arguido a três anos de prisão com pena suspensa. Mãe, padastro e sogros da menor foram absolvidos.Tribunal não deu como provado o casamento cigano quando a menor tinha 12 anos e o rapaz 17.

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Jovens viviam no num acampamento de Sosa, em Vagos ADRIANO MIRANDA

No banco dos réus estavam a mãe, o padastro, o agora marido e primo direito, e os sogros também tios, acusados, em co-autoria, de dois crimes de abuso sexual de uma menina cigana que engravidou aos 13 anos e foi mãe aos 14, voltou a engravidar aos 14 e foi novamente mãe aos 15. Esta terça-feira, o Tribunal de Aveiro condenou o rapaz, agora com 20 anos, a três anos de prisão com pena suspensa por igual período por um crime de abuso sexual de menor.

O jovem estava inicialmente acusado de dois crimes de abuso sexual de crianças, mas durante o julgamento, chamados a atenção pela defesa, os juízes decidiram alterar a acusação. O segundo crime de abuso sexual de crianças foi alterado para abuso sexual de adolescentes face à idade que então a jovem já tinha quando engravidou da segunda vez. Porém, como o abuso sexual de adolescente depende de queixa - que nunca foi apresentada -  a acusação quanto ao segundo crime caiu.

A família da rapariga, hoje com 16 anos e mãe de dois bebés, foi absolvida por não se ter provado o casamento cigano quando ela tinha 12 anos e ele 17, conforme descrito na acusação que sustenta, aliás, que todos os intervenientes sabiam a idade da menina e que agiram de “forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei”. Os arguidos negaram o enlace e não houve qualquer testemunha que confirmasse a união segundo os usos e costumes ciganos.

O caso foi denunciado à justiça pela comissão de protecção de menores. Ouvidos os intervenientes, o MP da Comarca de Aveiro deduziu acusação a 16 de Janeiro deste ano, acusando cinco pessoas de abuso sexual de menor. O Ministério Público (MP) sustentava que o rapaz “manteve relações sexuais de cópula completa com a menor, assim satisfazendo os seus instintos libidinosos”, acusando-o de se ter aproveitado “da compleição física” da menor e de viverem na mesma casa para praticar “actos sexuais de relevo”, limitando dessa forma “a liberdade de autodeterminação sexual” da menina. As famílias estavam também acusadas por terem acordado e propiciado o casamento e, dessa forma, os actos sexuais.

Contas feitas pelo nascimento do primeiro bebé, ficou provado que desde 2012 eles viviam, de facto, como marido e mulher. “Nada justifica que um rapaz de 17 anos engravide uma criança de 13”, sustentou a juíza Teresa Coimbra, acrescentando essa criança de 13 anos “deixou de ser menina com tudo o que isso implica para a sua liberdade pessoal”. A versão da rapariga, ouvida no julgamento que decorreu à porta fechada, não foi consistente. Nesse depoimento, negou o casamento cigano, contou que tinham fugido porque as famílias não autorizavam a relação, e que quando voltaram ao acampamento cigano já estava grávida. A juíza considerou a “história muito mal contada” por não precisar para onde tinham fugido, se tinham ido a pé, de comboio ou de carro, e quanto tempo estiveram fora de casa.

"Quinhentos anos não se extinguem por decreto"

O esforço de integração, a falta que faria à família com dois bebés, e o depoimento de que sabia que o estava a fazer era errado mas não se arrependia porque tinha dois filhos, foram tidos em consideração na atenuação da pena do rapaz cigano. Os costumes ciganos também tiveram peso na decisão judicial. A magistrada teceu várias considerações sobre a matéria, ao lembrar que os enlaces em idades precoces são uma das práticas mais festejadas da comunidade cigana e que há um ditado cigano que diz que “mais vale um filho no ventre do que um baú cheio de moedas de ouro”. “Quinhentos anos não se extinguem por decreto”, disse, admitindo que se tem notado uma vontade de integração da comunidade cigana que, mesmo assim, continua a preservar a sua identidade. “Esse esforço de integração tem de ser recíproco”, avisou. Depois de lida a sentença, a juíza pediu aos cinco arguidos que estivessem atentos ao que se passa na sua comunidade. “Começa a ser tempo de acabar com alguns costumes que estão errados – não sabemos se foi ou não o que aconteceu nesta situação. Se tiverem conhecimento de casos desses, chamem a atenção das vossas famílias porque é para o bem de todos”.

A sentença foi de encontro às expectativas da defesa. “As pessoas que tinham de ser absolvidas foram absolvidas e a pessoa que tinha de ser condenada foi condenada”, comentou o advogado Ricardo Couceiro. “Este caso nem sequer devia ter chegado a julgamento”, disse, acrescentando que “a questão cultural não se coloca” porque o casamento cigano não foi dado como provado. “O jovem está aliviado. O seu depoimento foi forte quando disse que não se podia arrepender porque tinha dois filhos lindos. E ela está feliz porque não viu o seu marido ir para a cadeia”. 

Quando os arguidos foram detidos, em Fevereiro do ano passado, a então menor, com dois filhos bebés, foi institucionalizada até fazer 16 anos. Saiu da instituição há cerca de dois, casou-se pelo civil com o pai dos seus filhos, e com a autorização da mãe, e não voltou ao acampamento de Sosa, em Vagos. Vive agora com o marido, os filhos e a mãe numa casa alugada em Vagos. O marido está inscrito no centro de emprego e à procura do primeiro trabalho.

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