Comunicar incidentes no SNS já pode ser feito sob anonimato

Direcção-Geral da Saúde quis eliminar o medo de represálias, para incentivar a notificação de erros e poder tomar medidas para evitá-los.

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Novo sistema da DGS visa reduzir incidentes e evitar que se repitam Rui Gaudêncio

A partir desta quarta-feira, os médicos, os enfermeiros e os cidadãos em geral dispõem de um sistema informático que lhes permite comunicar, sem receio de represálias, quaisquer incidentes ocorridos nas unidades de prestação de cuidados de saúde.

A notificação é anónima e nunca resultará na punição dos envolvidos, assegura o director-geral da Saúde, Francisco George, que frisa que “aquela ferramenta só será usada para a promoção da segurança e da qualidade dos serviços”.

Prometido há três anos, o Sistema Nacional de Notificação de Incidentes e Eventos Adversos (SNNIEA) está alojado na página da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Ali, são disponibilizados dois formulários, um destinado aos profissionais de saúde e outro aos cidadãos em geral. O que os diferencia é o tipo de conhecimentos médicos necessários para os preencher, já que num e noutro caso não são identificáveis o autor da comunicação, os profissionais envolvidos no incidente ou o doente que dele foi vítima. Apenas é identificada a unidade de saúde, cujo gestor local, de acordo com as normas definidas pela DGS, se limitará a confirmar a veracidade da “notificação”, a validá-la, se for caso disso, e a promover, no seio de comissões que já existem nas unidades, “um plano de melhoria” para que o incidente não se repita.

O sistema, acredita o director do Departamento de Qualidade da DGS, Alexandre Diniz, “poderá ainda ser afinado”, mas dispõe do essencial para ter êxito: o anonimato. “Não é uma especificidade portuguesa, também a nível internacional se verifica que o medo de represálias e de punições faz com que muitos dos erros e incidentes não sejam reportados, o que leva a que as condições para que eles ocorram se mantenham inalteradas”, comentou, esta quarta-feira, quando contactado pelo PÚBLICO.

Por isso, as palavras são escolhidas a dedo: quem recorre àquele sistema não está a fazer uma “reclamação”, uma “queixa” ou uma “denúncia”, mas apenas uma “notificação” ou uma “comunicação”. E, para que não haja dúvidas, o cidadão que tem esse objectivo é convidado, assim que entra no sistema, a usar, em alternativa, o livro de reclamações, a partir do qual poderá fazer chegar a queixa à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Em compensação, quem faz “a notificação” recebe um código que lhe permitirá acompanhar os efeitos da sua iniciativa, desde o momento da sua validação, pelo gestor, até à resolução do problema.

As situações que podem justificar o recurso a este sistema são similares às que dão origem às queixas. Com uma diferença: uma situação que tenha colocado o doente em risco (o tal incidente) mesmo sem provocar danos (ou efeitos adversos), merece ser notificado, explica Alexandre Diniz. Isto, porque, quer a nível local quer nacional (através do tratamento estatístico), o objectivo é precisamente detectar situações de risco e evitá-las. Em casos limite poderá mesmo justificar-se a criação de normas idênticas para todas as unidades de saúde, disse.

As quedas (de macas, de camas ou na casa de banho) são exemplos de algumas das situações que aquele especialista acredita que serão notificadas. Mas há outras que podem ser seleccionadas no formulário, como a tentativa de suicídio do doente, falhas na utilização de equipamentos, a medicação incorrecta ou infecções.

Neste momento, as notificações estão disponíveis apenas para as unidades do Sistema Nacional de Saúde, mas, segundo Alexandre Diniz, é objectivo da DGS disponibilizá-la aos serviços privados que a queiram também usar "como ferramenta de promoção de uma cultura de segurança".
 

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