Comprámos rúcula, couve-flor, acelgas, pepinos... E depois?

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Os alimentos biológicos são mais inócuos por não terem pesticidas PÚBLICO (arquivo)

É sábado de manhã e Maria da Conceição Pereira veio à Feira de Produtos Biológicos do Príncipe Real, em Lisboa. De mochila às costas, vai de banca em banca a ver preços e a fazer contas à vida. É uma rotina que se repete apenas uma vez por mês, apesar da importância que reconhece aos alimentos cultivados sem pesticidas ou fertilizantes artificiais: "Não tenho dúvidas de que são os melhores produtos para o ambiente e para a saúde, mas o meu orçamento não me permite comprar só produtos biológicos. Se pudesse, fazia-o", diz baixinho e com algum embaraço.

"O homem da banca das ervas medicinais hoje não veio", mas o ambiente está perfumado com os aromas de salva e manjericão e com os ruídos das crianças que brincam no parque infantil enquanto os pais passeiam pelas bancas como quem vê montras. "Andamos tão alucinados com a falta de tempo que perdemos alguma coisa. O cheirinho das ervas, a variedade de legumes... É óptimo cozinhar com estes alimentos!"

A grande mochila que lhe cobre as costas e cujo volume se destaca sobre a sua pequena estatura ainda está vazia. O habitual é levar pastinaga, um tubérculo que se assemelha a uma cenoura branca que Conceição recomenda vivamente ("é óptimo!"), acelga, tomilho e poejo, "para fazer chá para a tosse".

"Não é só por serem biológicos, há aqui muitos vegetais que não encontro em mais lado nenhum", afirma André Castro, de 25 anos, para justificar os sacos cheios com rúcula, couve-flor, acelgas, pepinos, bananas, courgettes, tomates, maçãs, pão integral e chives. "Como é que isto se diz em português? Ah!, cebolinho." Não é vegetariano, mas é aqui que abastece a dispensa. "Em cidades como Londres ou Paris, há feiras como esta ao fim-de-semana e é óptimo porque dinamizam os espaços públicos", afirma para explicar que a ida à feira é mais um momento de lazer do que uma tarefa doméstica rotineira.

Apesar de só vender produtos sazonais, a diversidade é um dos trunfos da banca de Tânia, a última na fila de comerciantes que começa na Rua da Escola Politécnica. "Com a industrialização, perderam-se muitas variedades que não eram produtivas e que agora estamos a recuperar", explica a funcionária de uma quinta biológica na margem sul do Tejo, onde são cultivados os escuros tomates black plum, o tomatilho amarelo e a abóbora blue ruibard, entre outros legumes que, pela pequenez e cor forte, sobressaem entre os mais tradicionais em cestos de vimes e caixotes espalhados pelo pequeno espaço feito de madeira.

Na casa de Tânia Simões não se usa antibióticos. A estratégia é prevenir em vez de remediar e, por isso, os cogumelos, as abóboras e as courgettes que cultiva para depois vender na feira são os seus aliados para conseguir qualidade de vida. "Os nossos filhos nunca estão doentes", afirma, orgulhosa. Para ela, "comer alimentos biológicos é como fazer um investimento num seguro de saúde", daí que defenda que a diferença de preço em relação aos produtos alimentares vendidos nas grandes superfícies acaba por desaparecer quando começa a ser necessário tratar doenças que uma alimentação saudável poderia evitar.

A ideia de que uma alimentação biológica possa actuar como um escudo protector contra doenças é polémica para o nutricionista Rodrigo Abreu, por não haver estudos que se debrucem sobre os efeitos dos alimentos biológicos no sistema imunitário. O que se pode dizer é que "os alimentos biológicos são mais inócuos por não terem pesticidas, que poderão ser cancerígenos".

Na praça do Príncipe Real, há um arco-íris de diversidade de gerações que começa no jovem pai de cabelo comprido que traz o filho pela mão passando pelo casal de idosos que trouxe de casa o carrinho de compras xadrez com rodas até chegar aos turistas que comem tomates à dentada sentados no banco de jardim. Entre clientes fixos e sazonais, Tânia Simões diz que tem assistido a um "crescendo de procura" desde 2006. É também o que conclui um estudo elaborado este ano por finalistas do curso de Medicina da Universidade Nova de Lisboa: há cada vez mais pessoas a utilizar este tipo de alimentos como base de uma alimentação que se quer mais saudável.

Os autores do trabalho da Universidade Nova defendem que a utilização de produtos biológicos "encontra-se já relativamente difundida", com cerca de metade (49,9 por cento) das mães de crianças com idades entre um e cinco anos a afirmar já ter utilizado produtos biológicos na alimentação dos filhos. Noventa por cento dizem tê-lo feito por causa dos benefícios para a saúde e 62,3 por acharem que estes produtos são mais saborosos.

Problemática da batata

Uma vez por semana, às segundas-feiras, o chef Marco Gomes regressa ao pequeno balcão de cozinha instalado no meio do cenário do programa Praça da Alegria, na RTP1, para preparar um prato em directo em pouco mais de dez minutos. Desta vez, o desafio é um vol-au-vent de peixe com camarão, sendo que o vol-au-vent, uma estrutura de massa folhada que será recheada com raia, já vem preparado de casa.

Há um tacho de água a ferver a que Marco Gomes acrescenta uma pitada de sal. "Vamos branquear os legumes. É não os deixar cozer de mais. Vamos só dar-lhes uma pequena fervura." Cenouras, courgettes e pimentos vermelhos saem da panela pouco depois de terem entrado. Não se trata de apressar o processo para as câmaras. O cozinheiro quer mostrar às pessoas que se consegue confeccionar em pouco tempo um prato saudável, porque o tempo, ou melhor, a falta dele, é o maior entrave a boas práticas alimentares: "Há cada vez menos vontade de cozinhar. As pessoas não se sujeitam a fazer um prato em casa. Compra-se tudo pronto ou então frita-se".

Para o cozinheiro do Norte, mais do que os alimentos em si, o segredo para um prato saudável é saber cozinhar: "Pensamos que quando estamos a investir em produtos caros estamos a melhorar o prato mas o mais importante é a forma como confeccionamos a comida". Cozinhar a baixas temperaturas e durante menos tempo é a sua receita para a preservação dos nutrientes dos alimentos.

Marco Gomes já foi cozinhar para a sala de espera de um hospital, neste caso as consultas externas do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia e Espinho. Só aqui, no ano passado, realizaram-se 12 mil consultas, a maioria de obesidade, diabetes e hipertensão arterial, doenças relacionadas com más práticas alimentares. Assinalava-se o Dia Mundial da Alimentação e, na véspera, em conversa com o P2, o chef prometia um menu completo: sopa de feijão e batata com hortaliças, espetadas de peixe com arroz basmati de legumes e leite-creme.

Foi um pequeno escândalo a inclusão da batata na sopa. "Devemos fazer sopa com a menor quantidade possível de hidratos de carbono. Ou batata ou feijão", disse o nutricionista Rodrigo Abreu, depois de ter visto a transmissão televisiva em directo na RTP e na SIC.

Os hidratos de carbono, as proteínas e os vegetais são combinados de forma clara e quase geométrica pelo nutricionista que também prega o que é a alimentação saudável e se transformou em professor na Escola Básica 2,3 Francisco de Arruda, em Lisboa. Na sala de multimédia do oitavo ano, a parede mostra a imagem de um prato vazio e Rodrigo Abreu começa a explicação: "Metade do prato deve ter verduras, cruas ou cozidas, a outra metade é dividida em duas, hidratos de carbono, arroz, batatas ou massa, e proteínas que podem ser carne, peixe ou ovos."

O nutricionista começou a dar consultas em 2000 no Hospital Egas Moniz, mas, desde 2006, que grande parte do seu tempo é passado em escolas e infantários, onde transmite, num atelier de nutrição, conceitos simples. "Se antes eram os homens de meia-idade e barriga saliente quem ia ao consultório cumprir calendário" mandados pelo cardiologista, hoje em dia quem aparece para a consulta de nutrição são "pessoas mais novas que dizem logo que não querem fazer dieta mas sim aprender a comer".

Uma atitude crítica é o que pede às crianças e às funcionárias escolares. "A maioria de nós está só a meter cá para dentro comida. Se soubermos filtrar os alimentos, podemos fazer uma refeição saudável tanto no MacDonald's como no Vitaminas." Na altura de comer um hambúrguer, acompanha-se com salada e bebe-se água. "Como já tenho hidratos de carbono no pão, não vou comer as batatas", explica.

Cozinha para Quem Não Tem Tempo, lançado em Abril por Mafalda Pinto Leite, já vai na segunda edição, depois de ter vendido cinco mil exemplares. Um resultado muito bom, considera Margarida Damião, da editora Esfera dos Livros, porque todos os meses são publicados novos livros sobre culinária. E muitos com dicas e conselhos contraditórios sobre alimentação saudável.

Mafalda Pinto Leite recebe-nos em sua casa, no Estoril, numa cozinha com fotografias de casamento e de bebés presas ao frigorífico com ímanes, um cenário invulgar para uma chef. "Os chefs não estão ao alcance de todos e por isso eu quero mostrar às pessoas que podem fazer pratos excepcionais em casa", e em pouco tempo.

Quando ouve a história da sopa do chef Marco Gomes que levou batata e feijão e da reacção do nutricionista, Mafalda Pinto Leite franze a testa e traz para a cozinha uma edição do Nutritional Almanac para resolver a questão do valor nutricional da batata. A resposta é peremptória: "As batatas não têm valor nutricional. Ainda ontem tive esta discussão com a minha sogra". Pela rubrica de culinária que tem na televisão (também no programa Praça de Alegria, mas à quarta-feira) e pelo livro que lançou diz sentir-se "responsável pela divulgação de boa práticas alimentares". Em sua casa, Mafalda Pinto Leite nunca tem batatas e "só de vez em quando" faz puré de batata, porque lhe lembra a infância.

Quando tinha 18 anos, Mafalda Pinto Leite foi para a Escócia, onde trabalhou na cozinha de uma comunidade vegetariana auto-suficiente, mas agora diz que já não é dogmática em termos de alimentação. Foi-o com a filha mais nova e a experiência correu-lhe mal. Com o segundo filho, o pequeno Vasco de ano e meio que a acompanha na cozinha enquanto tritura a cenoura e as lentilhas no robot, já não houve a obrigação de comer seitan e tofu. "Se as crianças forem habituadas a comer de tudo desde pequenas ganham o gosto e vão alimentar-se bem", argumenta enquanto prepara hambúrgeres de lentilhas em cerca de vinte minutos.

Quando voltou do Reino Unido, onde trabalhou com o famoso cozinheiro Jamie Oliver, diz ter ficado assustada com o que encontrou em Portugal: "As pessoas estão obcecadas com hipermercados quando os mercados têm produtos fantásticos. Temos de voltar ao contacto com a Natureza. Uma maçã não tem sabor se vier da China". Por isso, a sua fórmula para a alimentação saudável passa por preferir as frutas e legumes da época e muita organização no que toca à cozinha. Ter sempre uma lista de compras "porque as pessoas acabam por fazer escolhas compulsivas se não souberem à partida o que é preciso".

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